«Foi no Benfica que atingi notoriedade»

Nas vésperas do regresso do Benfica à Europa, quem melhor pode recordar os tempos gloriosos dos encarnados além fronteiras que não Carlos Lisboa? O antigo jogador, hoje dirigente no clube da Luz, concedeu-nos esta longa entrevista, que publicamos em três partes, onde não só recorda alguns dos mais espectaculares jogos europeus disputados pelo Benfica, como também lembra muitos dos prodigiosos momentos da sua longa e profícua carreira.

Atletas | FPB
19 NOV 2010

Uma entrevista de vida, a não perder…

Começou a demonstrar grande talento para jogar basquetebol longo de início? Ou isso só aconteceu mais tarde? O basquetebol mais a sério surgiu na minha vida aos nove anos, mas já jogava desde os sete. Nasci em Cabo Verde, cheguei a Lourenço Marques com 3 anos e lá vivi toda a minha infância, até aos 16. E por incrível que pareça, já disse isto algumas vezes, na terra do Eusébio – pessoa por quem tenho a maior devoção, para mim foi o maior desportista português de sempre – o desporto-rei era o basquetebol. Adorava jogar futebol, sobretudo no liceu, mas como havia um grande entusiasmo e uma boa organização dos miúdos no mini-basquete em Lourenço Marques, actual Maputo, acabei por iniciar a minha carreira no mini-basquete com um grupo de amigos da minha rua. Liderados por um amigo mais velho, que era o treinador, inscrevemo-nos em torneios vários da Coca-Cola. Foi assim que comecei. Era muito franzino, lembro-me que era um dos mais pequenos. Com 13 anos tinha 1.44 metros, o que para a idade era baixo, mas já calçava o 42 ou 43. Costumava até dizer a brincar que o meu pé chegava primeiro à esquina do que eu… Fui jogando, treinando muito e sonhando com uma carreira no basquete. Acho que já tinha algum jeito.Mas as pessoas já lhe diziam nessa altura que tinha muito jeito para a modalidade? Sim, aliás o meu ídolo de infância, o Mário Albuquerque, tinha essa opinião em relação a mim desde Moçambique, eu sabia disso. Eu sonhava com o dia em que seria profissional. Foi com esse intuito que trabalhei muito para realizar todos esses sonhos. Tinha pessoas que me elogiavam, ficava contente, mas sabia que tinha um longo caminho a percorrer e que tinha muito ainda a melhorar.Atingiu o seu máximo em termos de carreira no Benfica, mas antes, no Sporting e no Queluz, não era propriamente um desconhecido na modalidade… Sim, já era conhecido, mas o auge da minha carreira e o meu nome só podem estar associados ao basquetebol do Benfica…… Os mais jovens recordam-se de si no Benfica, daí a minha pergunta. Comecei nos seniores com 18 ou 19 anos, passei pelo Sporting e pelo Queluz, mas cheguei ao Benfica em 1984, com 26 anos. Já tinha passado pelo clube em 1974, à vinda de Moçambique, quando fui jogar para os juvenis (agora cadetes), na categoria de sub-16. Na altura o treinador da equipa, que não interessa dizer o nome, considerava que eu tinha muito jeito, que era um jogador que fazia parte do grupo, treinava bem mas chegava aos jogos e quase não entrava. Claro que com 16 anos sabia que não vinha para o Benfica jogar 40 minutos por jogo, mas qualquer miúdo anseia jogar, ainda por cima dizendo o que diziam, era mais complicado chegar ao jogo e ficar de fora. Acabei por deixar o basquetebol. Em Janeiro de 1975 disse que nunca mais jogaria! Mas um dia o Mário Albuquerque encontrou-me nos Restauradores – quando o encontrava ficava com alguma vergonha, afinal, era o meu ídolo – e perguntou-me o que andava a fazer. Contei-lhe que não jogava, expliquei-lhe as razões ao que ele me propôs ir para os juniores do Sporting. Em Outubro de 1975 fui para os júniores do Sporting (ao todo estive quase um ano sem jogar) e acabámos por ser vice-campeões nacionais. Perderam com quem? Com o Atlético e o nosso treinador era o Rui Pinheiro. Foi um jogo na Ajuda, que nos marcou bastante. Na altura em que eu fui para o Sporting, juntamente com o Arménio, que tinha vindo de Angola, a equipa tinha de ganhar dois jogos para ser apurada para a fase final do Regional e conseguimos. Depois, fomos à fase final da zona sul e, num jogo que decidia quem seria o segundo desta zona a ir ao Nacional, ganhámos ao Benfica no pavilhão de Moscavide, por 71-65, nunca me esqueci. E assim fomos apurados para o Campeonato Nacional só que isso criou um problema. O Rui Pinheiro jogava na equipa de seniores, eles estavam na fase final do Campeonato Nacional e havia jogos dos dois escalões que coincidiam. Nessa decisão com o Atlético, os nossos seniores iam jogar no Barreiro. Por isso o Rui Pinheiro não pôde orientar o nosso jogo. A pessoa que nos orientou não nos conhecia bem e acabámos por perder o campeonato, mas passámos de uma situação de termos de ganhar dois jogos para sermos apurados até nos sagrarmos vice-campeões nacionais. No ano seguinte fui convidado pelo treinador dos seniores para me juntar à equipa. Fiquei muito contente, mas perguntei-lhe se era só para treinar ou era também para jogar. Ele disse-me que ia jogar e aceitei. Tentei agarrar o meu lugar e mostrar o meu valor, demorou algum tempo mas conquistei o meu espaço. Fui campeão nacional três vezes no Sporting, depois, quando acabou a secção, fui para o Queluz, onde ganhei mais um campeonato e uma Taça de Portugal, e voltei ao Glorioso em 1984. No Benfica em 12 anos ganhámos 10 campeonatos e infelizmente sinto uma grande tristeza por no meu último ano termos ganho tudo – até fomos à Euroliga –, menos o campeonato, que perdemos para o FC Porto. (…)Mas voltando à sua pergunta, foi no Benfica que atingi maior notoriedade. Não só pela evolução do jogo, pela grande mística e pela grande relação que tenho com os sócios do clube, mas também pela grande equipa que nós tínhamos. Claro que já tinha algum currículo, mas para mim o grande impulso, a grande força da minha carreira foram os 12 anos em que estive na equipa de seniores do Benfica.Sempre que se fala de basquetebol o seu nome vem à baila, é inevitável. Como é que isso o faz sentir? Falam até para dizer mal… Mas mesmo depois de já ter deixado de jogar há 14 anos, já percorri uma série de pavilhões e senti o carinho das pessoas. Tenho orgulho no que fiz, sei a responsabilidade que tenho no basquetebol português e fico contente por as pessoas associarem o meu nome ao basquetebol, ficar-me-ia mal não reconhecer isso. Agora que não jogo troco boas impressões com pessoas que conheço em pavilhões e cidades onde antigamente não gostavam de mim porque jogava no Benfica contra os clubes deles…Alguma vez se imaginou a desempenhar o cargo de dirigente, não só de basquetebol, mas de todas as modalidades do Benfica? As pessoas que andam no desporto têm de estar preparadas para todas as situações. Fui convidado para manager do basquetebol do Benfica,em Setembro de 2005 e aceitei com grande satisfação. Mais tarde fui convidaddo para director geral das modalidades, É diferente de ser jogador ou treinador, mas tem o aliciante, tem outro tipo de responsabilidades. Logicamente que quando jogava só pensava em jogar, mas no desporto todos os cargos são importantes. Os dirigentes são importantes na organização, os treinadores para liderar as equipas e os jogadores para jogar. Se pudesse ter outra vez 26 anos, preferia logicamente jogar. No cargo de dirigente tudo passa por nós, mas não a parte do jogo, fazer jogar A, B ou C. Gosto muito da pressão e da adrenalina, que é diferente, mas que continua presente.Ser treinador é uma hipótese? Não faz parte dos meus planos. Não digo nunca, mas para já não.

Atletas | FPB
19 NOV 2010

Mais Notícias