Mário Albuquerque recorda Lisboa: «Um vencedor nato»

O homem que era o ídolo de Lisboa na infância e que o levou para o Sporting, abrindo-lhe, assim, as portas de uma carreira que se revelou prodigiosa, conta neste documento alguns aspectos da carreira do prodigioso jogador, que começou por conhecer em Moçambique.

Atletas | FPB
20 NOV 2010

Albuquerque admite ser “seu fã incondicional”.

«Em Moçambique»Que me lembre vi-o pela primeira vez no torneio da Coca-Cola em Mini Basket onde ainda franzino já denotava grande desenvoltura técnica.Nos fins de semana era costume a família do Basket reunir-se para assistir aos jogos de miúdos, até porque os treinadores eram quase que exclusivamente jogadores de escalões etários superiores e por conseguinte nossos amigos.Um dos treinadores que pontificavam na altura era o meu companheiro de equipa de Seniores João Morais, que após um jogo de Juvenis B veio pedir-me a opinião sobre a sua equipa. Disse-lhe na altura que depois de ter visto antes os Juvenis A actuar não percebia porque é que o “melhor” jogava na equipa B. O Morais retorquiu-me que era um problema de idade e que por o tal jogador ser ainda muito fraco não achava oportuno que ele jogasse nos matulões, alguns dos quais com mais 2 anos de idade, o que naquela altura denotava bastante em termos físicos. Com estes argumentos fiquei convencido e prontifiquei-me, a seu pedido, a acompanhar ambas as suas equipas e dar opinião sempre que para tal fosse solicitado.Claro que estávamos a falar do Carlos Lisboa.Do João Morais como homem e treinador atesta o facto de ter ajudado um número muito grande de jogadores que singraram no basquetebol mas sobretudo na vida, tendo, hoje, em cada um deles um amigo.Dessa altura recordo-me de um episódio que passo a recordar:O Lisboa, depois de ver um jogo no Sábado à noite em que eu fiz determinada finta, aplicou a mesma receita, “pôr a bola atrás da cabeça do defensor” e foi-lhe aplicada uma falta técnica por desrespeito do adversário, ao que argumentou que a mim não me tinha sucedido nada.Disseram-me na altura que ele jogava com o meu número “12” porque era meu fã. Mal sabíamos nós que mais tarde eu seria seu fã.Em PortugalEm 1975/76 depois da vinda para Portugal encontrei-o no Metro em Lisboa e perguntei-lhe se estava a jogar e aonde, respondeu-me timidamente que estava no Benfica, nos juniores, onde estavam amigos dele, como o filho do Drº Vaz, mas que era muito pouco utilizado. Respondi-lhe que fosse no dia seguinte às 17 horas ao Sporting e falasse com o Rui Pinheiro, que era o treinador dos Juniores. Chegado a casa telefonei ao Rui, ainda não havia essa modernice dos telemóveis, e disse-lhe: vai aí um miúdo para a tua equipa. O Rui pôs algumas reticências, que a época ia começar, que a equipa já estava formada, etc… “OK”, disse-lhe eu, “experimenta-o e depois diz qualquer coisa”. O Rui telefonou-me depois do treino e disse-me: “é ele e mais 4”.No ano seguinte manifestei, como treinador sénior do Sporting, vontade de subir o Lisboa ainda com idade de júnior, 17 anos.O Lisboa “defendeu-se” com unhas e dentes e argumentou em abundância contra aquele meu desejo. Entre a vasta panóplia de argumentos houve um de que me lembro perfeitamente — ele era de opinião que depois na equipa principal do clube não ia jogar pois éramos os campeões e ia ser muito difícil. Eu era treinador.jogador e respondi-lhe que isso era um problema meu, mas só que tinha que mudar de número pois o 12 era meu. Ele lá anuiu e no primeiro jogo, em Setúbal, quando anunciei o 5 base, onde o incluía, a sua cara de espanto ainda hoje me faz rir. Ele escolheu o 7 e depois foi o que se viu.Daí para a frente a situação foi semelhante a um conhecido treinador do Eusébio, ainda no Sporting de Lourenço Marques, que indagado, jornalísticamente, qual era a equipa inicial para determinado jogo, de futebol pois claro, respondeu: “olhe, vou dar a camisola nº 10 ao Eusébio, as outras jogo ao ar, quem apanhar uma joga”.Eu sei que o Carlos nutre por mim um carinho especial por ter sido o seu exemplo e quem lhe abriu a porta da alta competição, segundo o seu pai, o saudoso SENHOR Lisboa Santos, com quem eu adorava conversar, mas tenho consciência que essa prematura abertura só a fiz para salvar a integridade da referida porta.Numa apreciação às suas características técnicas e físicas considero que havia quem corresse mais que ele, quem saltasse mais, quem lançasse melhor, fazer as três coisas ao mesmo tempo é que não. Nem sequer perto. Os outros gastavam Normal e ele Super com muitas Octanas. Lembro-me que nos testes físicos e sempre que eram puras corridas o Lisboa era ultrapassado por dois ou três companheiros, mas no exercício vulgarmente conhecido por “suicídio”, que consiste em correr, parar, mudar de sentido arrancar e voltar ao mesmo, o Lisboa ganhava de costas.Como o Basket é um desporto baseado em esforços muito intensos e de curta duração, o Lisboa estava como peixe na água. Tudo isso somado a um “mau perder” no bom sentido e eis o grande Carlos.Não gosto de comparar jogadores de gerações diferentes porque as condições também são diferentes mas penso que o Lisboa foi dos jogadores portugueses aquele que jogou num patamar superior em termos de disponibilidade física aliada a uma grande capacidade técnica e a uma vontade inquebrantável de vencer. Era um vencedor nato e a sua carreira atesta-o exuberantemente.3 vezes campeão no Sporting1 vez campeão no Queluz10 vezes campeão no BenficaQuem tivesse o Lisboa na equipa tinha mais um “americano” que os outrosÉ um prazer ser seu amigo e seu fã incondicional.»Um abraço doMário Albuquerque

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20 NOV 2010

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