Sónia Reis: «Tive de provar que sei jogar»

A jogadora portuguesa, que no ano passado foi uma das principais figuras do Cadi la Seu, veste esta época a camisola do Girona FC na Liga Espanhola.

Atletas | Competições
1 JAN 2011

Nesta entrevista, a internacional lusa fala-nos das suas experiências numa das mais competitivas ligas europeias, dos tempos em que actuou em Portugal e dos seus sonhos para o futuro. Não perca, nos detalhes desta notícia.

Que balanço faz destes anos que já leva ligada ao basquetebol? Não sei muito bem mas estou segura que o balanço é positivo. Nestes 11 ou 12 anos de basket o balanço é muito positivo, conheci muita gente, fiz muitos amigos, fui a muitos sítios e, principalmente, sem nunca ter pensado em ser profissional de basquetebol, cheguei a uma das melhores Ligas da Europa, onde conheço e convivo com todo o tipo de jogadoras e estrelas do basket. Aprendi e sigo aprendendo muito como atleta profissional e como pessoa.A Sónia em si também conseguiu fazer algumas coisas giras no basket tanto em Portugal como aqui, em Espanha, neste caso para mim é muito gratificante, como disse antes, sem nunca ter pensado ser profissional, ver o respeito que têm por mim nesta Liga como atleta. Apesar de não gostar muito desse facto, sinto-me importante sabendo que com cada equipa que jogamos sou uma jogadora que se tem muito em conta que nos scoutings de cada equipa vê-se claramente nos jogos que a preocupação é parar a Sónia. Bem, mas nem tudo foi bom, tanto em Portugal como aqui. Tive que ultrapassar muitas situações difíceis, mas que me fizeram mais forte e a minha forma de ser ajudou-me muito nesse aspecto. Não sou pessoa para me ir abaixo. (…)Há pessoas que gostam de ver os outros afundar e tive muitas tentativas desse género em Portugal, não diria que fiz inimigos enquanto joguei aí, mas sim, ‘não amigos’. Bem, isso é normal, não se pode agradar a todos e essa nunca foi a minha intenção, mas quando se é muito jovem e se vê esse tipo de coisas, isso acaba por marcar-nos.Em Espanha foi diferente, as dificuldades foram mais viradas pelo facto de vir de um país em que o basket feminino não se tem em conta e tive que provar – e sigo provando – que, apesar de os portugueses não terem o basket em consideração, que por isso cá fora também não nos têm consideração, existe gente que sabe jogar. Tive de provar que sei jogar, que posso competir com as melhores e até vencer as melhores. Sendo esta uma Liga exigente, encontra-se muita competitividade até dentro da nossa equipa, mas nesse sentido até gosto. A competição entre jogadoras na mesma equipa tem-me feito melhor jogadora.Depois, aqui existe toda aquela pressão de seres profissional, que criaram expectativas para ti e tens de as cumprir. Se te pagam tens que te submeter às situações e essa é outra dificuldade que vivo diariamente, pois tenho um carácter forte e não acho que deva submeter-me a nada. Talvez por isso estou a ter um ano difícil.Mas como disse, estas coisas fazem-me mais forte e tornam-me numa pessoa melhor depois de superadas.Na vida nada é perfeito e esta vida de atleta é muito mais difícil do que as pessoas pensam, mas enquanto puder não a troco. Com o seu lado bom e o menos bom, esta é uma experiência única.O balanço desta minha vida como atleta de basket não podia ser mais positiva.Aspectos negativos e positivos. Para além dos aspectos que mencionei no balanço que fiz. Acho que um aspecto negativo é o facto de ter saído de casa cedo. Fui para o CAR com 15/16anos e a partir daí estive sempre distante de casa, passo muito pouco tempo em casa com a família, com os amigos, e com o passar dos anos isso tem-me pesado. Sempre que vou de ferias é como se estivesse a iniciar as minhas amizades outra vez porque houve tanta coisa durante a minha ausência que perdi… É como se as amizades arrefecessem e tenho aquecê-las outra vez.Com a minha família, para que se tenha uma ideia clara, no ano passado, quando acabou a época, cheguei a casa e os meus pais ainda não tinham chegado do trabalho. Reparei que na casa tinham feito algumas mudanças as coisas estavam diferentes, a imagem que tinha da minha casa já não era a mesma, mas o que me marcou mais foi quando os meus pais chegaram, tivemos o tal reencontro com beijos, abraços, olhares, etc. Sentámos como sempre na cozinha e quando olho para o meu pai começa a cair-me as lágrimas sem mais nem menos, o meu pai estava cheio de cabelos brancos.O meu pensamento era quando foi que lhe saiu esses cabelos brancos que eu não dei conta, os anos estão a passar por nós e eu estou a perder todo o convívio com os eles, essa transição dos meus pais para velhice eu queria estar lá, eu queria ver cada cabelo branco sair e cada ruga.Tenho medo que quando tenha tempo para estar e viver os dias com eles já seja tarde. Algo positivo para além das mencionadas antes, esta vida permite-me receber o suficiente, para mim e para os meus pais. Tendo em conta que a minha família é muito humilde dá-me muito prazer ajudar os meus pais, sabendo as dificuldades que já passámos. Quando tudo está mal penso que não posso desistir, nenhum outro trabalho me dará recursos para mim e para eles, além disso só faço isto porque gosto. Existe algo mais positivo que fazer o que se gosta?Tem algum projecto ligado ao basquetebol que gostaria de levar a cabo? Projecto? Creio que não. Bem, como atleta há uma coisa que gostava de alcançar mas com a idade a passar começo a achar que já não tenho muitas chances! Gostava quem sabe ser treinadora, mas não sei se seria boa ideia, tenho um temperamento difícil e só por isso já tenho pena daqueles que forem meus atletas…Qual a sua opinião sobre o actual estado do basquetebol nacional? Não tenho seguido o basket português, mas a imagem que me transmitiram no verão passado era negro, muito negro.Mas pelo facto de não estar a seguir o basket português não tenho uma opinião. Só tenho pena que, desde que comecei a jogar até agora, o basquetebol português em vez de evoluir tenha estado a regredir, segundo informações que vou tendo de quem está por Portugal.Tem alguma opinião formada sobre o que deve ser alterado para melhorar a qualidade competitiva da modalidade? Primeiro a mentalidade dos portugueses, principalmente os que trabalham directamente com o basket, porque ainda existe a ideia de que o basket masculino é tudo, muito depois o basquetebol feminino. Isso também incluí as atletas, o quão sério levam a modalidade que praticam, o quanto é o seu nível de competitividade e a sua crença de que se pode fazer mais e melhor dentro e fora de Portugal. E nesta fase é mais fácil mudar pela raiz pela formação, pelos que poderão ser o futuro.Bem, há tanta coisa que se pode fazer para melhorar e mudar o nosso basquetebol.Mas tudo fica em palavras e eu não quero pertencer a esse grupo que destrói com palavras.Um jogo inesquecívelCreio que já me esqueci….Todos temos aquele que acaba e dizemos ‘uau, este foi o jogo da minha vida’ e depois vem outro e substitui-o. E assim vamos e com o tempo já nem te lembras. Pelo menos é o que me acontece…Ok. Um jogo que nunca vou esquecer diria Cadi La Seu-Ros Casares, esta última considerada a melhor equipa da Liga e uma das melhores da Europa. Com um conjunto de postes de ouro. Sem dúvida uma equipa que dá medo e eu acabei o jogo sendo MVP do encontro com 29 pontos vários roubos de bola e ressaltos. E ainda humildemente digo que fiz uma grande defesa, em nenhum momento as jogadores de ouro sentiram se cómodas. Adorei ver a frustração de cada uma, cada vez que não conseguiam receber bolas pela minha pressão, quando lhes roubava as bolas e quando lhes ganhava os ressaltos. Eram jogadoras estrelas que nesse dia não brilharam, brilhou a portuguesa. Perdemos o jogo mas eu ganhei uma luta individual contra as melhores desta Liga!!!Uma situação caricata que se tenha passado em campo Ver a minha companheira de equipa a dar murros ao Árbitro!!! Acho que esse é também um jogo que não vou esquecer…O seu clube do coração. De basket?? Não tenho.Tenho clubes que me marcaram e que vou guardá-los no meu coração mas não tenho um preferencial.Que pavilhão a impressionou mais até hoje? Bem, já vi muitos pavilhões parecidos, mas há muitos anos, já não me lembro quando, creio que foi pelo CAR, não tenho a certeza. Mas acho que estava o Zé Leite e com ele seria o CAR. O pavilhão era aqui em Espanha talvez Santiago??!! Não sei, mas era o primeiro pavilhão que via com bancadas a 360º, assim tipo toda uma escadaria de bancadas, um marcador no centro do tecto sobre o campo… Foi incrível, até sonhei jogar num assim. Mas como disse, foi o primeiro por isso marcou. Agora já vi muitos assim.No basquetebol, quem foram as pessoas mais influentes para si? Quem me marcaram como atleta? Se é isso, então sem duvida o Zé Leite. Porque foi o treinador com quem trabalhei mais tempo, mais a fundo, e o meu grande passo, grande evolução foi no C.A.R. Foi ele que primeiro sonhou que eu podia ser uma grande atleta, me deu vários sermões de que podia ser uma grande jogadora, que tinha um grande potencial, que isto que aquilo… Eu fazia de conta que não ouvia mas na verdade ouvia e acho que ele sabe que eu só fingia que não ouvia.Ele tinha muitos “sonhos” para mim e de tanto ele falar e repetir se passaram para mim. Também sempre pensei que quem saía do CAR tinha que mostrar resultados, tinha que dar algo ao basket pelo tempo que se esteve ali, não percebia como podiam sair dali e o passo seguinte era deixar de jogar, quando o objectivo de tudo o que se passa ali é criar um futuro na modalidade. Então, sempre levei comigo a sua ideia de que não podia desistir e a ideia do Zé de que eu podia ir longe…bem cheguei a Espanha.Mesmo que nunca lhe tenha dito, ele foi a maior influência que tive, se hoje estou nesta Liga foi porque acreditei que podia quando ele repetiu que só dependia de mim. O que mais me doeu até hoje foi ligar-lhe para dizer que tinha decidido não ir para uma Universidade nos Estados Unidos porque sei que era algo que ele queria muito. Até hoje me pesa, mas era uma decisão que tinha que tomar e ele sabe por que a tomei. Depois disso, também existiram outros treinadores que me influenciaram, mas por aspectos técnicos por exemplo Manuel Sanchez. Só trabalhei com ele 3 meses, porque de relações humanas sabia pouco e eu não estava preparada para ele, mas de basket sabia muito e nesses 3 meses havia coisas que ele insistia muito e que até hoje levo comigo e dão-me muito jeito, tanto na defesa como no ataque.Mas tenho a certeza que ele acha que se eu tivesse ido para lá estaria na WNBA, porque sempre que podia repetia que eu podia chegar lá… pelos vistos não estava escrito!A nível pessoal quem é? Dê-nos a conhecer o seu lado B, a sua faceta mais desconhecida… A Sónia Reis é uma pessoa muito simples, às vezes digo que sou uma boa pessoa com mau feitio.Não tenho um lado B, sou todo lado A, quem convive comigo sabe que se tenho de rir contigo, rio, se tenho que chorar, choro, se tenho que me zangar contigo, zango-me e se depois tenho que fazer as pazes faço, se não tenho não faço.Como dizem what you see is what you get!!!O que faz para além do basquetebol? Tem hobbies ou outra actividade? Bem, tento sempre fazer algo para além do basquetebol, procuro um segundo mundo, com pessoas que não tenham a mesma vida que eu, assim esqueço o basket por esses momentos… Vou fazendo cursos actividades diferentes de ginásio. Por exemplo, tirei um curso de unhas de gel estes meses que estou em Girona, quando vier de férias de Natal vou fazer outro, de maquilhadora. Fiz dança do ventre, tento relacionar-me com pessoas que conheço fora do basket e fazer actividades normais como cinema, restaurantes, etc.Quando estou muito cansada limito-me a comer e dormir que é maior parte do tempo… Esse é o meu maior hobbie. Um desejo pessoalAcabar na velhice com a sensação de que tive uma vida plena. Por isso até lá vou viver ao máximoUm sonhoNão sei tenho tantos…Sou uma sonhadora O prato preferidoTenho vários mas sou capaz de matar pelo bacalhau com natas, mas só o da minha mãe.Viagem de sonhoUltimamente ando com muita vontade de ir até à Índia, de ir a um sítio que culturalmente é totalmente diferente do meu!Pena que está muito caro, vou esperar mais um pouco. Mas um dia vou.Um ídolo Não tenho. Mas podia dizer Nelson Mandela pelo que representa não só na Africa do Sul mas para todo o povo africano.As suas qualidadesSou honesta, sincera, simpática, amiga, outras coisas mais 😉E defeitosTeimosa como uma mula, não sei estar calada quando devo, ferve-me o sangue muito rápido, grandes dificuldades em perdoar, muito desconfiada, orgulhosa…

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1 JAN 2011

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