O Homem

Iniciou-se na nossa modalidade aos 5 anos, mas reconhece que nunca foi um jogador habilidoso.

Era muito trabalhador, caraterística que de resto pautou toda a sua vida. A dedicação à causa fez com que a família tivesse sido muitas vezes preterida, mas o prazer e o compromisso que desde cedo assumiu para com o basquetebol falaram sempre mais alto…

 

Fazendo um balanço de todos estes anos, sente que, em algum momento,  sacrificou a vida familiar ou empresarial?

 

O homem que se fez homem começou a jogar basquetebol aos 5 anos de idade. Desde então, nunca mais deixei de estar ligado ao basquetebol, formei-me como homem, naturalmente com a educação dos meus pais, dentro do contexto da modalidade. Muito do que sou hoje devo-o ao basquetebol e isso explica o facto de ter sido sempre um dirigente benévolo. O basquetebol faz parte da minha vida, mas não tenho dúvidas que houveram alturas em que tive de sacrificar a minha vida pessoal e empresarial. A paixão faz de nós seres incoerentes, arrastando-nos para situações que se pagam caro. É verdade que tive uma vida familiar atribulada, mas por culpa minha! A paixão e o envolvimento, enquanto jogador e dirigente, com a modalidade contribuíram decisivamente para que assim tivesse sido. Não era um jogador habilidoso, nem um talento nato, fui daqueles que teve de ser fabricado, mas isso implicava trabalho e dedicação, razão pela qual nunca faltei a um treino. Isso demonstra bem o meu compromisso com o basquetebol desde o inicio.

 

Gostaria de comentar algumas vozes, umas de forma mais dissimulada outras mais diretas, que dizem que se serviu da FPB para proveito próprio?

 

Para provar que isso não corresponde à verdade basta consultar as atas de todas as Assembleias Gerais de FPB, onde raras foram as vezes onde tive votos contra na aprovação dos relatórios de contas. Não estarei a mentir se disser que se contam pelos dedos de uma mão os votos contra durante todos estes anos à frente da Federação. O único proveito que tive foi o de desempenhar uma atividade não remunerada, que me dava muito prazer e merecia toda a minha dedicação.

 

Sempre teve caraterísticas de liderança e espírito para aceitar novos desafios?

 

Naturalmente que sim. Essa liderança vê-se na minha vida empresarial, onde sou sócio ou acionista. É impossível alguém conseguir ser Presidente de uma Federação sem capacidade de liderança. Só com esse espírito é possível, com muito mais trabalho, realizar e ou organizar coisas, caso contrário seria muito difícil, para não dizer impossível, de alcançar. Poderia enumerar feitos emblemáticos, mesmo com verbas exíguas, mas que se tornaram realidade porque foi possível dinamizar a família do basquetebol em torno desses objetivos. Destaco o Mundial de Juniores, em 1999, em que pela primeira, e única vez, se conseguiu encher o Pavilhão Atlântico com 15 000 pessoas para assistir a um evento de basquetebol. Um momento histórico, que teve cobertura televisiva nos EUA, Espanha e outros países.

 

Os seus princípios como homem sempre foram a base de comando nas funções que desempenhou na FPB?

 

Respeito por quem trabalha sempre à frente naquilo que foi a minha gestão à frente da Federação Portuguesa de Basquetebol. Funcionários e colegas de direção eleitos são testemunhas dessa minha forma de ser e de estar na vida. Sempre tive respeito e consideração por todos aqueles que no seu dia a dia dão o seu melhor em prol da Federação, bem como os que desempenhavam cargos benévolos. Refiro-me aos diversos órgãos da Federação, desde a direção até aos outros conselhos. As pessoas que ainda lá estão e as que passaram por lá, melhor do que ninguém, poderão confirmar, e no fundo são prova, aquilo que estou a dizer.

 

Alguma vez imaginou como teria sido a sua vida sem o basquetebol?

 

Teria que ser certamente diferente. Com as caraterísticas de liderança que possuo, provavelmente teria seguido a política, ou outro óbice, que me ocupasse e satisfizesse o meu espírito empreendedor. Certamente que teria escolhido uma atividade mais rentável financeiramente. Nasci para ser líder, para gerir coisas e irei ser sempre assim até morrer. Viver com as constantes preocupações do dia a dia para que nada falhe e consiga sempre fazer mais e melhor.

 

Como será a vida de Mário Saldanha depois de deixar a presidência da FPB?

 

A vida de uma pessoa tem várias fases. Tive uma fase longa de 27 anos ligado à Federação Portuguesa de Basquetebol, e quase um quarto de século como Presidente da mesma. Facto que me subtraiu a possibilidade de lidar diariamente com os filhos que fui tendo (5), bem como me retirou a hipótese de me ligar de uma forma efetiva e afetiva que eu próprio gostaria de poder ter tido. Agora tenho uma bebé de três anos e meio, a Francisca (Kikas), a quem quero dedicar todo o amor que não consegui dedicar aos irmãos. Estou muito focado no seu crescimento e evolução, e sinto-me extremamente apaixonado por ela. Vai igualmente permitir que tenha mais disponibilidade para gerir os negócios que tenho, já que neste período, e por estar sempre muito ocupado, fui sempre muito bem secundado pelo meu sócio e filhos mais velhos. Não vou deixar de ver e estar no basquetebol, mas não vou dizer que “vou continuar a andar por aí”. 

 

 

 

 

 

Curiosidades:

 

Aos 5 anos já treinava basquetebol, no Queluz, num campo de terra batida marcado a cal. Algo que viria a repetir-se com idade de júnior quando já representava o Sporting Clube de Portugal. Os treinos eram ao ar livre, na rua do Passadiço, onde ficava localizada a antiga sede do clube. Durante os treinos e jogos tinham direito a chá servido em garrafões de palhinha, sendo que haviam alturas em que as baratas davam outro sabor ao chá.

 

Nas épocas de 1962/63 e 63/64, como júnior do Sporting Clube de Portugal conheceu, aquele que muito provavelmente viria a ser o seu melhor amigo, António Pratas (transferido do Olivais de Coimbra). Naquele escalão refere com orgulho que nunca perdeu um jogo! Recorda-se de uma vitória, no campo do Maria Pia, em que o jogo era disputado em períodos de 8 minutos e terminou por 163-9. O treinador da altura era o José Mário, que fazia parte da equipa sénior do clube mas orientava uma das equipas juniores, ele que na altura recusou um convite para ir jogar para o Real de Madrid.

 

O internacional brasileiro, Guilherme Bernardes, que muito cedo abandonou a prática da modalidade (27 anos), foi um treinador que marcou o percurso de Mário Saldanha enquanto atleta. Chegou a treinar na equipa sénior, e simultaneamente coordenava a formação. Já nessa altura, o ainda Presidente da FPB, relembra que as equipas juniores chegavam a treinar duas vezes por dia, e o quanto inovador foi  na forma como preparava as suas equipas defensivamente. A introdução de  defesas pressing era novidade na altura, e Mário Saldanha nunca mais se esqueceu dessa fase da sua carreira .

 

A mesma equipa de juniores do Sporting participou na competição Províncias de Ultramar, no ano de 1963. E foi a 12 de Junho, à noite, que embarcaram num avião que demoraria 13h40 a chegar a Luanda. Uma prova que contou com a participação, do Sporting de Lourenço Marques, Benfica de Luanda e Sports Clube de Benguela. Aterraram em Angola num dia de grandes cheias, em que era praticamente impossível circular nas ruas. O desafio era enorme, mas é com orgulho que Saldanha afirma que se mantiveram invictos durante essa prova. No último dia de competição só conseguiram regressar ao hotel sob escolta da Policia Militar. Mário não esquece que na altura valeu-lhes, o facto de dois jogadores do Sporting, Patrício e Hilário, estarem a cumprir serviço militar em Angola, tendo sido os principais responsáveis pela segurança de toda a equipa. Dois dias depois tiveram de defrontar uma seleção de Luanda, e voltariam a sair vencedores. Sente-se nas suas palavras um grande orgulho por ter feito parte de uma equipa que nunca foi vencida, mesmo tendo defrontado os melhores.

 

No seu 2º ano de sénior, acompanhado por Tó Zé, Naia, Martins e mais tarde Joaquim Carlos transferiu-se para o Sporting das Caldas. O desejo de se tornar num jogador livre na época seguinte, obrigou a que tivesse de jogar a mais de 30 Km de Lisboa. O clube começa a ter resultados desportivos, tendo sido dois anos consecutivos campeão da Associação de Basquetebol de Leiria, mas uma nomeação para ir para Ultramar obriga a uma mudança de planos. Como prémio, pela conquista do titulo de campeão da 2ª divisão, foi-lhe oferecido um par de sapatos que depois venderia no barco, já que lhe eram pequenos, que o levou para Moçambique,. A mudança não impediu que continuasse a prática da modalidade no Sporting das Beiras. Disputou a competição de Manica e Sofala, isto já em Moçambique, mas a falta de dinheiro impediu que o clube se tivesse deslocado a Lourenço Marques, retirando-lhe a possibilidade de disputar o campeonato nacional.

5 NOV 2014