Jorge Marqués: “A hospitalidade que tenho de Portugal é maravilhosa”
Conceituado árbitro espanhol de BCR apita também no nosso país desde 2013
Competições | Juízes
10 FEV 2021
Em 1990, “enganado” por um amigo e sem qualquer preparação prévia, Jorge González Marqués viu-se a apitar uma Copa Galicia de basquetebol em cadeira de rodas. A dureza do jogo e o tratamento agreste dos atletas, submersos à data num grande amadorismo, não o afugentaram, benevolência prontamente aproveitada pela federação para uma futura contratação “vitalícia”.
Ao longo de 31 anos, o juiz internacional desde 2008, natural de Lima, Perú, soma quase uma dezena de finais da Copa do Rei e División de Honor, escalão cimeiro em Espanha, mas Portugal está igualmente inscrito no seu currículo distinto. Aliás, Jorge foi obreiro de uma façanha difícil de repetir: arbitrou, por duas épocas consecutivas, as finais da Copa do Rei e liga, em Espanha, e do campeonato, Taça, bem como a Supertaça, em Portugal.
Desvendamos o percurso de um nome consensual da arbitragem à escala ibérica, entre atletas, técnicos e colegas, que reserva ainda tempo para se notabilizar na fotografia, de tal modo que desempenhou a função de oficial do Obradoiro CAB, da liga ACB.
Qual a primeira ligação ao desporto e à arbitragem (basquetebol convencional e BCR)?
Quando tinha 18 anos, um colega do meu irmão, árbitro de basquetebol, pediu-me boleia. Pensei que era para ir a um hospital em Vigo, mas fomos a um jogo numa escola em frente. Fiquei como oficial de mesa. Gostava muito de basquetebol, da NBA dos anos 80 e da liga espanhola, mas não tinha conhecimento real nenhum. Enquanto árbitro, na minha estreia, mandei calar o treinador de uma das equipas, porque pensei que não sabia as regras. Quando houve um desconto de tempo, um dos árbitros chegou à minha beira, disse-me “Olha, ele é árbitro, professor nesta escola e o responsável da arbitragem escolar em Vigo”. Assim foi o meu primeiro jogo.
Em 1990, jogou-se uma Copa Galicia de BCR, e um colega árbitro ligou-me para que levasse roupa de arbitragem para ajudar como oficial de mesa. Fui, era mentira, queria mesmo que apitasse o jogo. Na época seguinte, nomearam-me para um jogo. A arbitragem era complicada, os jogadores estavam sempre a protestar e ninguém queria apitar. Foi divertido para mim, um espetáculo. Ao chegar à federação, perguntaram-me como correu e eu disse “bem”. Quiseram dar-me logo todos os jogos.
Mais tarde, em 1999, ao assistir a uma Copa do Rei, havia um curso no qual me inscrevi, mas quando cheguei lá, o responsável, Julian Rebollo, pediu-me para apitar, porque andavam a falar muito de mim. Apitei com duas pessoas que não conhecia, Juan Manuel Uruñuela e Clara Baquero [consagrados árbitros espanhóis]. Depois, foi sempre a evoluir. O jogo era espetacular, com uma dinâmica distinta; a evolução do BCR dos anos 90 para agora é incrível, sobretudo pelo avanço das cadeiras. Houve muito mais evolução no BCR do que no basquetebol a pé.
Como surgiu a ligação a Portugal?
O ano-chave foi 2012. Aconteceram duas coisas. Tive o meu “Refresher Clinic” [para a renovação da licença internacional] em Sevilha e partilhei quarto com o Gustavo Costa [árbitro português]. Antes, já tinha uma boa relação com o Ricardo Vieira [atual técnico da APD Braga, selecionador nacional sub22, treinador adjunto da seleção A, ex-árbitro internacional], que me contactou uma semana depois disso por causa do I Torneio Ibérico de BCR. Pretendia convidar as equipas de Vigo e Ferrol. Foram minutos para convencer as duas equipas e o Ricardo pediu-me para eu apitar. Gostei muito da receção e do trato de todas as pessoas envolvidas.
Nessa época, a APD Braga ganhou o campeonato pela primeira vez. Continuou a relação com eles, com o José Cardoso, que também era árbitro internacional, e conheci ali o João Correia. Falei muito com ele e conheci o Augusto Pinto [atual presidente do Comité Nacional de BCR], excelente pessoa. Meio a brincar, meio a sério, disse que não tinha problema de vir apitar aqui. Para mim, é uma experiência fantástica, estou muito agradecido pela oportunidade. Sinto que estou a colaborar e a ajudar.
O que opinas do nível da arbitragem portuguesa?
Todos os dias falo com o Gustavo. O grupo da arbitragem de BCR de Portugal é ativo como nunca vi na minha vida, nem em Espanha se trabalha tanto. O esforço é incrível, necessário, porque se partiu do zero há duas épocas, quando se fez um Clinic em Aveiro e entraram muitos árbitros, sem experiência. Outros tinham, mas a formação era praticamente inexistente em vários aspetos. Há “ganas”, muito que trabalhar, mas o interesse é espetacular. Daí que o contacto com o Gustavo e o José Cardoso seja contínuo.
Quais são os pontos altos na tua carreira?
Com carinho, lembras-te sempre do primeiro jogo de basquetebol, que também apitei “enganado”. De BCR, lembro-me de um jogo espetacular, no qual o Amfiv subiu à máxima categoria, em Vigo, contra o Ademi de Canárias. O pavilhão estava cheio, nunca tive um ambiente de nervosismo assim, porque se jogava a subida. Depois, a primeira Copa do Rei; ou quando me tornei internacional, em Gent, na Bélgica. Havia dois jogadores portugueses a jogar no Silversport Gent, porque um falou em português comigo, disse-me algo mau referente à minha mãe. Não sabia que eu era espanhol.
Em termos de importância, a primeira Copa do Rei, o Europeu Sub22 em Lignano, em 2017. Levo umas 20 ou mais Taças do Rei e Ligas; finais são oito ou nove. Tirando a época passada, interrompida pela pandemia, nas quatro últimas que se jogaram em formato Final Four, fui o único árbitro de Espanha que esteve em todas. Houve ainda duas épocas importantes para mim, por um detalhe que me faz sentir orgulhoso. Por dois anos seguidos, fui o árbitro principal da Final Four e Copa do Rei, em Espanha, e da Liga, Taça e Supertaça de Portugal.
Qual o objetivo que persegues na tua carreira?
Já há algum tempo que estou focado em ajudar a formar mais árbitros. Em Espanha, perguntam-me muito se tenho hipótese de ir aos Jogos Paralímpicos ou a algum Mundial. Eu digo que não. Para mim, o melhor árbitro da história, atualmente do mundo, é o Juan Manuel Uruñuela, espanhol. Quando há Jogos ou Mundiais, vai um árbitro, dois no máximo, por país. Nunca seria justo para as equipas que não fosse o melhor possível.
Não preciso de um jogo ou torneio específico. Estou muito satisfeito em conseguir ajudar uma rapariga de Vigo em ser internacional, Patricia. Na época anterior, em Lignano, curiosamente, outra rapariga espanhola, Laura, conseguimos que se tornasse também. Agora, estou focado em tratar de devolver tudo o que recebi, em dar. A hospitalidade que tenho de Portugal é maravilhosa.