Inês Lopes: “Para garantir o futuro, tem de haver um projeto de juniores”

Ex-selecionadora nacional faz uma retrospetiva da sua carreira no desporto Paralímpico sueco

Competições
4 MAR 2021

A residir desde 1999 na Suécia, Inês Lopes saiu de Portugal com o desejo de trabalhar no desporto adaptado, estudou em Inglaterra e travou os primeiros contactos com o BCR na sua futura equipa, de Gotemburgo. Antes de assumir a função que passou a exercer em 2010, Chefe do Departamento Desportivo do Comité Paralímpico e Federação de Desporto Adaptado suecos, a cascalense erigiu com vontade férrea as bases dos múltiplos êxitos do BCR no país, até então sem rasto internacional de relevo.

Viu o dinamismo e método premiados ao chegar a adjunta da seleção principal, cargo que ocupou por três anos e ao longo dos quais operou mudanças significativas. Salta à vista a criação de um programa júnior e consequente formação de uma seleção sub22, que Inês situa como decisiva para as implausíveis medalhas de bronze e ouro no Europeu da divisão A, em 2005 e 2007, com a seleção absoluta, já enquanto selecionadora.

Seguiu-se uma participação Paralímpica nos Jogos de Pequim, em 2008, para depois rumar a Portugal em 2009 com o intuito de tentar mimetizar a fórmula sueca e talhar a nação para objetivos ambiciosos, mas o projeto não teve tempo e meios para amadurecer, ficando apenas o amargo de boca da descida da divisão B no Europeu de 2010.

Hoje, com o BCR de parte, a contragosto, e totalmente embrenhada no novo ofício, além da gestão global de vários desportos e seleções, Inês Lopes será a Chefe da Missão Paralímpica Sueca nos Jogos de Tóquio, previstos para o verão de 2021. As pretensões passam, no mínimo, pela defesa das 10 medalhas conquistadas nos Jogos do Rio de 2016 – mais 6 do que Portugal -, apesar de neste país da Escandinávia os atletas não auferirem bolsa Paralímpica.

 

Como chegaste à Suécia e que mudanças procuraste introduzir no BCR do país?

Vim para a Suécia permanentemente em 1999 e entrei em contacto com a equipa de Gotemburgo, que comecei a treinar até 2007. Em 2001/02, passei a ser a treinadora adjunta da seleção. Em 2005, tornei-me selecionadora e fiz um ciclo Paralímpico de quatro anos, acabando por sair após os Jogos de Pequim 2008. Entretanto, entre 2002 e 2005, vi muitas coisas que precisavam de ser mudadas. Fazer da equipa uma equipa, não só com os jogadores, como também com os técnicos. Pôr tudo a trabalhar com o mesmo objetivo era o meu foco. Outra mudança foi a introdução de atletas jovens. Juntamente com a Dinamarca, começámos uma seleção sub22, falámos com a IWBF [Federação Internacional de BCR] e enviámos uma equipa conjunta ao Europeu. Vimos que nós, suecos, éramos mais fortes e decidimos criar o nosso próprio programa. Para haver concorrência e futuro. Foi um projeto muito produtivo. Não era selecionadora dos sub22 e coloquei o meu terceiro treinador a liderar essa equipa, de forma a haver continuidade. Ganhámos várias medalhas em Europeus e Mundiais. Infelizmente, há três ou quatro anos acabaram com o projeto.

Em 2007, atinges o ponto mais alto com a conquista do Europeu A. Era um objetivo assumido e realista?

Antes, em 2005, ganhámos a medalha de bronze, em Paris. Dois anos a seguir conseguimos ganhar. Nós colocávamos os nossos objetivos mediante a qualidade da equipa, portanto absolutamente que sim. Sabíamos do nosso potencial para ganhar medalhas. E tentámos puxar o máximo de atletas para ligas estrangeiras, a fim de aumentar a qualidade de jogo. Em 2007, sete dos 12 estavam em competições fortes, na Alemanha, Espanha e Itália, a treinar e jogar todos os dias com os melhores do mundo. Na preparação para os Jogos de Pequim, muitos deles achavam que agora já eram os melhores do mundo e decidiram todos voltar para a Suécia, exceto um jogador de 1.0. A maior parte dos atletas passou de treinos bidiários e competições contra os melhores jogadores do mundo para dois treinos por semana frente a jogadores não da alta competição. Não estávamos preparados para ir aos Jogos. [A Suécia terminaria o torneio Paralímpico no 11.º posto].

Como surge a oportunidade de orientar a seleção portuguesa?

Um objetivo que tinha quando saí de Portugal era poder aprender em termos de organização e treino para um dia, eventualmente, trazer isso para o nosso país. Fui estudar para Inglaterra, fiz a parte final do mestrado na Suécia, voltei para Inglaterra e depois decidi ir viver para a Suécia. Após Pequim, houve contactos, disseram que precisavam de um treinador novo e apareceu a oportunidade para ajudar. Tínhamos um projeto muito entusiasmante, obviamente longe do nível que conseguimos obter na Suécia. Fizemos algumas boas coisas, mas ao fim de um ano terminou o projeto, com muita pena minha, porque se tivéssemos continuado a fazer as coisas durante aquele tempo que tínhamos em mente, íamos alcançar as nossas metas.

Quando foste campeã da Europa, qual o universo de praticantes e quantas equipas existiam?

Cinco equipas e à volta de 70 jogadores. Mesmo assim, de 2005 até 2008, acho que passaram pela seleção cerca de 25 atletas, o que comparado com algumas das seleções maiores era bastante superior. Os países mais fortes rodaram menos atletas do que eu. Mudavam um ou dois por campeonato. Rodei muito mais e tínhamos muito menos, o que está relacionado com o projeto de juniores. O mais importante desse projeto foi abrir a possibilidade de dar a atletas jovens mais minutos de jogo num nível adequado. Sem esse patamar, nem tinham disputado jogos de preparação, nem campeonatos. Fomos para o Europeu de 2007 com um torneio, quatro ou cinco jogos. A Grã-Bretanha [derrotada na final] tinha feito 70 jogos de preparação. Com esse torneio, não podia introduzir os juniores se não tivessem experiência prévia. Para garantir o futuro, tem de haver um projeto de juniores para aumentar o nível de competição, experiência e treino.

O que é que achas que Portugal pode e deve fazer para sair desta espiral de resultados irregulares?

Depende muito do número de horas que cada atleta faz em casa, não com o programa nacional, porque as federações não têm milhões. Se só posso ter um programa nacional de 40 dias para estágios, torneios e competição, não é isso que vai fazer o atleta o melhor do mundo. São os outros 325 dias do ano. O que há a fazer é treino diário, ir ao ginásio, comer bem, dormir bem, estar preparado para treinar; todas essas horas contam. Não são as duas, três ou quatro vezes por semana com a equipa dentro do campo que te vão fazer um atleta de alta competição. A mentalidade é a coisa mais importante. Quantos lançamentos é que se fazem nos treinos de equipa? 60? 70? A minha percentagem não vai mudar de 20% para 45% à custa disso. Se todos fizermos 1000 lançamentos por semana, isso é que vai fazer a diferença. A pergunta é: o que tenho de treinar além dos treinos da equipa?

 

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4 MAR 2021

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