Gustavo Costa despede-se da arbitragem internacional

Juiz português termina carreira internacional após mais de duas décadas

Competições
11 MAI 2023

A fase final da Euroliga 2, disputada em Badajoz, de 28 a 30 de abril, serviu de pano de fundo para a última presença de Gustavo Costa na arbitragem internacional. Com um vasto currículo, rico em finais internas e fora de portas, um dos mais consagrados árbitros nacionais de BCR decidiu pôr termo à etapa como juiz IWBF. No seu trajeto, ressaltam nomeações para mais de uma dúzia de Final-8 de provas internacionais de clubes, entre as quais a Champions League, maior montra europeia, a final da Challenge Cup (agora Euroliga 3), em 2013, que coroou Hugo Lourenço (4.0) e Marco Gonçalves (1.5), a final da Taça Willi Brinkmann (corrente Euroliga 2, em 2016, e a final do Europeu C, de 2017.

Em entrevista à FPB, o experiente juiz dedica um olhar aprofundado aos momentos marcantes do seu percurso e analisa a evolução, bem como o estado atual da arbitragem nacional e internacional no BCR. Gustavo Costa lança ainda o repto aos mais jovens árbitros e assinala os benefícios de apitar esta desafiante vertente do jogo para promover os índices de concentração, aludindo à transferência positiva de conhecimentos para melhor arbitrar o basquetebol convencional.

 

1 – Que balanço de uma tão longa carreira internacional no BCR? 

Esta é uma questão de difícil resposta, mas posso dizer que estou satisfeito considerando a realidade do BCR português ao longo dos últimos 20/25 anos. A nível europeu, consegui arbitrar praticamente todo o tipo de eventos e fiz 3 finais, 2 de clubes e 1 de seleções, mas penso que para ser perfeito faltou uma nomeação para um ponto alto mundial. A minha carreira ficou um pouco marcada por alguma impreparação inicial, talvez condicionada pelo nível do jogo e da arbitragem do BCR Português no final da década de 90 e no início da década seguinte. Penso que demorei algum tempo a dar um salto técnico que me preparou para outro BCR e, a partir daí, isso refletiu-se na qualidade do desempenho e consequentemente nas nomeações recebidas.

No final da década de 90, existia em Portugal um árbitro internacional IWBF (Nuno Carocha), que teve algum reconhecimento internacional, mas que já estava numa fase em que apresentava imensas dificuldades em compatibilizar a arbitragem com a sua atividade profissional, o que levou ao seu abandono pouco depois, por isso acabamos por fazer poucos jogos de BCR juntos. Tenho a certeza de que isso teria sido muito importante para a minha evolução. Assim, nos primeiros anos acabei por ser em larga medida um autodidata, isto numa época em que os recursos eram escassos, arranjar uma VHS com jogos de BCR internacionais era um verdadeiro tesouro.

Tenho 100% de certeza que os dois novos árbitros internacionais de BCR (Custódio Coelho e Jorge Marques) estão muito mais bem preparados do que eu estava em 2002.

2 – Como avalias a tua última presença numa prova europeia, em Badajoz, Euroliga?

Correu de forma regular, fui um dos árbitros que fez 5 jogos (apenas 6 dos 12 árbitros foram nomeados no último dia) e fui nomeado para o jogo de abertura e para o jogo do 3º/4º lugar (curiosamente entre as mesmas equipas, Mideba x Hyères). Confesso que andei com o coração um bocadinho apertado ao longo desses dias, com um misto de alegria e de tristeza; isso refletiu-se um pouco nos jogos.

3 – Qual seria o teu top 3 de grandes momentos na arbitragem internacional de BCR? 

Embora não seja fácil decidir entre as nomeações para várias finais 8 da Champions Cup (em especial, a nomeação de 2022, depois de 4 anos – 2018 a 2022 – afastado e 3 cirurgias) e as 3 finais que tive oportunidade de arbitrar, acho que, pela componente emocional, os grandes momentos foram as finais da Eurocup 3 em 2013, da Eurocup 2 em 2016 e do Europeu C de seleções masculinas em 2017.

4 – O jogo mais difícil da tua vida? 

Sem dúvida que foi um Gran Canaria x Sassari (Final 8 – Eurocup 2 – 2008 – Paris). Em muitos anos de arbitragem, foi o jogo em que estive mais perto estive de perder totalmente o meu próprio controlo emocional e que depois marcou-me até ao final da prova.

Numa outra dimensão, recordo um Sérvia x Croácia (no Europeu de Lisboa em 2005), em que fui nomeado como árbitro principal, no primeiro jogo entre estas seleções, após os conflitos ocorridos nos Balcãs. Embora com um ambiente gélido entre os jogadores, decorreu sem problemas e com um controlo total por parte da equipa de arbitragem.

5 – Lembras-te do teu jogo de estreia? 

Já não consigo recordar-me do jogo em concreto, mas sei que a prova em que fiz o exame foi uma ronda preliminar da Eurocup 1, em Paris (março de 2002), e a primeira nomeação já como árbitro IWBF foi uma ronda preliminar da Eurocup 2, em Lisboa (março de 2003).

6 – Como evoluiu o BCR ao longo do teu percurso e que mudanças isso implicou na forma de arbitrar? 

Ao longo destas 21 épocas, foi evidente o aumento da dimensão física dos jogadores, muito provavelmente aliada ao crescimento/aumento do número de clubes/jogadores profissionais. O jogo tornou-se tremendamente mais intenso, mais físico, mais rápido. Outro fator que potenciou isso foi a evolução brutal do material, cadeiras quase “de rua”, muito pesadas e pouco ágeis para cadeiras em ligas leves como o titânio, feitas à medida, de forma a potenciar cada jogador. A evolução das regras oficiais também contribuiu e muito. Por exemplo, recordo que, durante algumas épocas, quando um jogador levantava as rodas grandes do solo era penalizado, quase sempre, com uma falta técnica, o que condicionava muito a forma de jogar, acabava por retrair os jogadores.

A forma de arbitrar, necessariamente, deve sempre acompanhar o nível da competição onde estamos e a capacidade técnica e física dos jogadores. Por exemplo, tenho plena consciência que o critério que os jogadores nos exigem na Champions Cup, o mais largo possível, não seria possível utilizar (ou aceite) na competição nacional.

7 – O que dirias a um jovem árbitro para o encorajar a seguir o BCR? 

Digo muitas vezes que para a maioria dos árbitros jovens é uma oportunidade única, por exemplo, é uma forma mais rápida de arbitrar jogos fora do seu distrito (e da sua zona de conforto), com colegas muito mais experientes e de fazer jogos com três árbitros. Por outro lado, também saliento que no BCR é exigido um nível muito elevado de concentração ao longo de todo o jogo, nem numa bola fora podemos “desligar um pouco”, porque é normal existir de imediato jogo sem bola, tentativas de ocupação de espaços, de bloqueios, de man out, etc, o que contribui para o aumento da nossa capacidade de concentração e da sua manutenção em níveis elevados ao longo do jogo. Outro bom exemplo que posso referir é que na última época vários juízes que fazem regularmente BCR foram promovidos a competições superiores no basquetebol “a pé”. Por fim, repito algo que digo há muitos anos, arbitrar BCR é um vício bom.

8 – Como avalias o momento atual da arbitragem portuguesa no BCR?

Nas últimas épocas demos um grande salto qualitativo, em especial após a integração do BCR na FPB. Isso permitiu alargar o número de juízes, baixar a média de idade e captar alguns jovens com elevado talento. A maioria do quadro trabalha de forma muito dedicada, intensa e regular, o que dá sempre frutos. A própria criação de um quadro de juízes, com ações de formação específicas, permitiu criar um espírito de grupo muito forte com evidentes reflexos na evolução dos seus membros. No entanto, que ninguém duvide que o caminho continua a ser longo e o trabalho diário não pode parar, tanto por parte dos juízes como da própria federação. É sempre possível trabalhar mais e melhor.

9 – Podemos esperar o Gustavo Costa a apitar mais alguns anos a nível interno?

Essa é uma questão à qual eu não consigo responder neste momento, só garanto que fico até ao final da presente época. Mais do que isso vai depender de uma decisão (anual) a tomar no final da época, tanto minha, como do conselho de arbitragem. A título pessoal, vou pesar diversas componentes e em especial avaliar a minha motivação, a última coisa que quero sentir é que estou a arrastar-me em campo. Quanto às diversas componentes, estou a referir-me a coisas como continuar a sentir-me útil, feliz e bem recebido neste quadro de juízes de BCR, mas também a outras, como sentir que o BCR continua a ser importante para a FPB em geral e para o conselho de arbitragem em especial. A manutenção da decisão de três árbitros por jogo será certamente um dos elementos que mais pode contribuir para que continue na próxima época.

10 – Por último, o que é o BCR internacional te trouxe que guardarás contigo?

Acima de tudo, deu-me mundo e uma nova família da qual tenho muito orgulho em pertencer.

 

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11 MAI 2023

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