Travante Williams: “Aprendi que aquilo em que sou bom nem sempre será suficiente”

O atleta estreou-se na ACB e deixou a sua marca na primeira época na melhor liga europeia.

Atletas | Seleções
23 JUL 2024

Travante Williams estreou-se na ACB e deixou a sua marca na primeira época na melhor liga europeia. Em entrevista a Ricardo Brito Reis, o internacional português fala sobre a carreira, desde os tempos difíceis no Alaska até ao sucesso em Portugal e Espanha, revela as suas lutas e aquilo que o motiva a continuar a perseguir a excelência.

 

Estiveste com a seleção portuguesa depois de uma longa época, em Espanha. Alguma vez te cansas de jogar basquetebol?

Cheguei a um ponto em que este é o meu único mundo. É o que me faz continuar, o que me alimenta e me paga as contas. É tudo o que eu sei fazer, por isso estou preso a isto. Mas eu adoro basquetebol! Quando tenho dias de folga e não tenho nada para fazer, entro em pânico. Esta é a minha vida agora. Tenho tentado aproveitar o momento ao máximo, curtindo tudo e dizendo a mim mesmo que foi para isto que trabalhei tanto. Este é o meu trabalho, a minha vida. E tenho vindo a aceitar isso. Estou na fase de apenas aceitar que é assim que as coisas são.

 

Como vão ser as tuas férias?

Tenho planos para voltar ao Alaska para ver a minha família. Recentemente fiz uma viagem para Dallas para ver o Neemy jogar quando tive alguns dias de folga. Foi bom.

 

Quão importante é para ti, para a tua saúde física e mental, poder descansar por alguns dias?

É muito importante. No ritmo em que vivo, as coisas nunca param e nem sequer sei quando vou ter tempo para descansar. Mas é crucial fazer uma pausa. Tirar esse tempo livre para ser uma pessoa normal e viver uma vida normal. É algo que me ajuda muito, principalmente quando estou com os meus amigos e pessoas que não vejo há algum tempo. Isso ajuda-me a ter uma perspetiva da minha vida e do que estou a fazer. É como um impulso para continuar em frente.

 

O Neemias não esteve convosco na seleção nacional neste estágio. Sagrou-se campeão da NBA e disseste que o foste ver a Dallas. Como te sentiste ao vê-lo celebrar o seu primeiro campeonato, principalmente poucos dias depois de perder o pai?

Foi incrível vê-lo tornar-se campeão da NBA, foi como ver a minha própria carreira a ser bem-sucedida. Lembro-me quando ele jogava na equipa B do Benfica, mal jogava. Depois, lembro-me que mesmo antes de ir para Sacramento, durante o ano da COVID, o encontrei num aeroporto antes de ser draftado. E depois, quando obtive a minha cidadania portuguesa e o vi chegar à seleção nacional, foi uma experiência incrível. É inacreditável que ele seja campeão da NBA. Isso dá-me algum crédito na minha vida e ajuda-me muito, mesmo que ele nem saiba o que está a fazer por mim. Sinto tanto amor e felicidade por ele e estou muito contente com o seu sucesso. Ele motiva-me todos os dias, mesmo sem saber.

 

Conta-me como foi o teu encontro com o Neemias em Dallas. Do que conversaram? O que ele te contou sobre a sua época? E tu, o que lhe contaste sobre a tua época?

O Neemy levou-me para comer com ele e um amigo. Foi ótimo poder vê-lo no seu ambiente. Falámos sobre como era louco ele ter estado comigo no meu aniversário no ano passado. Foi surreal vê-lo no patamar em que está agora. Conversámos sobre a sua época, que foi incrível, e ele contou-me sobre os seus planos para o futuro. Também falei sobre a minha época e os meus objetivos.

 

Como descreverias a tua jornada como jogador de basquetebol desde que deixaste o Alaska para seguir o teu sonho?

Descreveria como persistente. Continuei em frente. Tenho um amigo que tem uma marca cujo lema é “Just keep going” e é mesmo isso. Nunca parei. Sempre que surgia uma oportunidade, eu estava pronto para ela. Independentemente do que acontecia na minha carreira, mantinha a cabeça focada e seguia em frente. É um testamento da minha vida, de tudo o que passei. Sempre fui um tipo que aproveitava qualquer oportunidade que surgisse. É um testamento da minha família e de como me criaram. Sempre enfrentei os desafios. Podes estar nervoso, podes estar com medo, mas sabes o que tens de fazer e vais defender aquilo em que acreditas. Trata-se de aproveitar ao máximo a minha história e estar grato por tudo o que está a acontecer. É trabalho árduo, é manter-se dedicado, é estar grato. É onde estou neste momento.

 

Comparando com o jogador que estava naquele avião à espera de vir para a Europa, o quanto é diferente o Travante Williams de hoje?

Acho que ao longo do tempo aprendi a ver-me como a pessoa que os outros podem ver-me, a estrela do basquetebol. Mas eu sempre me tratei como um tipo normal. Agora estou num espaço onde estou confortável com o que fiz e com o meu jogo. Esse Travante estava ansioso para mostrar quem era. Agora estou confortável com o que fiz e com o meu jogo. Conheço os meus pontos fortes, sei quem sou e o que posso trazer para o campo.

 

Preciso da tua honestidade e que me faças um scouting report do Travante Williams depois desta época. Como defenderias o Travante e como atacarias os seus pontos fracos na defesa?

É difícil. Nem consigo fazer um scouting report de mim mesmo. Tentaria ser agressivo. Mas depende. É melhor rezar que eu esteja a ter um dia mau e não esteja focado.

 

E depois desta época em Espanha, quais são as tuas prioridades para trabalhar neste verão?

A minha prioridade é manter o corpo saudável, na melhor forma possível, e trabalhar a mobilidade das ancas. Estou no meu oitavo ano e o objetivo é aguentar a época toda e estar presente nos momentos importantes. O meu foco principal vai ser a saúde em geral. Garantir que cuido de todos os detalhes, fortalecer o core e adicionar o que for preciso para melhorar.

 

Como definirias a tua função ao longo dos anos? Por exemplo, na Oliveirense?

Acho que é muito semelhante à função que tenho nesta época. Nos primeiros dois anos, joguei com grandes jogadores à minha volta, veteranos experientes que sabiam o que fazer. Mérito para o Norberto (Alves), que me colocou nas posições certas para ter sucesso. Era um miúdo, capaz de atravessar uma parede por essas equipas. O meu papel não mudou muito, apenas pude explorar diferentes coisas, descobrir que sou capaz de muito mais e que posso jogar de formas diferentes. Não preciso da bola para marcar, posso criar oportunidades extras. Aprendi mais sobre o que posso fazer em campo.

 

O Norberto disse-me, na altura, que eras como um cavalo selvagem, imprevisível e imparável. Mas que, quando percebesses os benefícios de abrandar, serias uma estrela. Aprendeste a domar esse cavalo selvagem quando o jogo exige?

Esta época, numa nova liga, nova equipa, novo treinador, aprendi muito sobre isso. O Norberto e o meu treinador deste ano [Pedro Martínez] são amigos. É fantástico ser treinado por alguém com um grande legado e carreira. Aprendi que, por vezes, o que quer que faças bem pode não ser suficiente. Tens de encontrar outras formas de ter impacto. E a bola pode não chegar para os lançamentos que consegues fazer. Tens de ser eficiente. Equipas mudam, treinadores mudam, mas independentemente do que faças bem, tens de encontrar uma forma de o demonstrar em campo.

 

Como é que a tua função mudou de ser uma estrela, talvez com muita liberdade em Portugal, para um jogador com um papel muito definido nesta equipa em Espanha?

É interessante porque, olhando para trás na minha carreira, não tive muitas equipas onde fosse a estrela. Talvez duas ou três. Foi no Sporting, principalmente no segundo, terceiro e quarto ano, que aprendi a recuar um pouco. Ao longo da minha carreira, joguei com colegas que tinham mais a bola do que eu. Portanto, voltar a este papel de contribuir para a equipa e fazer parte dela, sem estar tão focado no desempenho individual, tem sido óptimo para mim. É difícil, porque às vezes queres ser o jogador a fazer o último lançamento. Sei que esses momentos vão voltar. Desde que continue a trabalhar no meu jogo e a ser quem preciso de ser, terei essas oportunidades. Mas fazer parte de uma equipa e vencer é o que mais gosto. Então, sim, apenas abraço o papel e continuo a descobrir como posso ter impacto mesmo não sendo a estrela, o foco principal. Consegui ver como o meu conhecimento e sabedoria do jogo podem impactar os colegas. Posso aconselhá-los e isso ajuda-os a fazer o último lançamento ou a serem importantes naquele momento. Nem tudo se trata de seres tu a fazer o último lançamento. A melhor parte de fazer parte de uma equipa é saber que estamos todos juntos.

 

Esta época, em Espanha, fizeste mais lançamentos de três do que de dois pontos. O treinador falou contigo no início da época sobre a tua utilização como “3-and-D”?

Não. As primeiras conversas foram para eu perceber que era um dos jogadores mais velhos da equipa, que ia ter um papel de veterano. Nunca se falou nisso explicitamente, mas era a forma de jogar da equipa, o ritmo do nosso ataque e como queríamos jogar como equipa. Queríamos fazer muitos triplos e jogar basquetebol rápido. A liga também é diferente e é difícil chegar ao cesto, com jogadores como o Walter Tavares.

 

Foi difícil fazer esses ajustamentos e encontrar lançamentos confortáveis?

Sem dúvida. Definitivamente tive dificuldades com o tamanho dos jogadores e a fisicalidade. No final do ano, as coisas começaram a abrir mais quando percebi onde podia ser eficaz. Mas é um basquetebol de altíssimo nível.

 

Pareces valorizar os intangíveis. Defines metas para ti mesmo dentro do jogo?

Tento focar-me principalmente em mim e gosto de me lembrar que devo tentar causar impacto, não importa o resultado ou o que esteja a acontecer. Tento sempre entrar no jogo e mudar o que está a acontecer. Se estiver a correr bem, mantenho-o a correr bem. Se estiver a correr mal, tento ser o tipo que inicia o rastilho para o ajudar a voltar para o caminho certo. Para mim, é isso. E com o meu conhecimento do jogo, acho que é isso que muitos treinadores para quem eu gostaria de jogar valorizam, as coisas que não se conseguem ver, as coisas que não estão na folha de estatísticas. Até agora tem funcionado para mim. Por isso, sinto que ser um jogador de equipa vai mais longe do que muita gente vê. E fazer esses pequenos intangíveis, aplaudir os colegas de equipa, estar lá para eles, ajudá-los a levantar-se do chão é algo que, só as pessoas verdadeiras, só as pessoas verdadeiras que conhecem o desporto e os desportos de equipa vão realmente compreender e apreciar. Então, tento manter isso como o meu caminho a seguir.

 

E como te sentiste quando os fãs do Manresa lançaram campanhas nas redes sociais para seres Jogador Defensivo do Ano?

Adorei. Foi fantástico. É como ser um artista e entertainer, gostas quando as coisas que pões lá fora são apreciadas. É fantástico sentires-te amado e apreciado pelas coisas que estás a fazer, pela tua arte, pelo teu trabalho. Por isso, é incrível, adorei tudo isso.

 

O que te dá mais satisfação num jogo de basquetebol? Um desarme de lançamento, um roubo, um afundanço, forçar um adversário a passar a bola para fora?

Eu prefiro estar em campo. Se estou em campo posso fazer uma jogada, algo acontece, ganhamos o jogo e eu estou lá. Talvez as coisas não tenham corrido do meu jeito, mas vencemos e as coisas correram bem, não me posso queixar disso, é tudo para mim.

 

Considerando que te responsabilizas a ti mesmo, o que te irrita no jogo?

Oh, meu Deus, há uma lista inteira! Lançamentos livres falhados… isso magoa-me imenso. Este ano lancei a 68% e tem muito a ver com a parte mental, chegar lá e pensar no que se está a passar e no que se vai passar, e pensar em ter falhado um lançamento livre antes mesmo de ter a oportunidade de o lançar, já a questionar-me a mim mesmo. Isso irrita-me. Perdas de bola, turnovers forçados irritam-me. Lançamentos abertos falhados porque talvez não baixaste o suficiente a tua base de apoio ou não rodaste o pulso o suficiente, essas coisas tediosas que os jogadores de basquetebol percebem quando não estão no seu dia.

 

Quando é que o jogo começou a abrandar para ti, sobretudo em termos táticos, na liga ACB?

Sinceramente, diria que começou na segunda metade da época, depois de termos jogado na taça. Tive alguns jogos em destaque e bons jogos antes disso, mas acho que no final da época, naquela última série que estávamos a fazer antes dos playoffs e a defrontar as equipas pela segunda vez, comecei a ganhar confiança e comecei a ver que pertencia ali, soube que podia competir e isso foi importante para mim. Sentir que posso jogar nesta liga, que é uma das melhores extra NBA, que posso jogar aqui, que mereço estar aqui foi importante para mim.

 

Tiveste algum momento de “bem-vindo à ACB”?

O meu momento de “bem-vindo à ACB” foi provavelmente o primeiro jogo contra o Real Madrid. Foi incrível ver jogadores que já tinha visto na televisão, como Facundo Campazzo, Sergio Llull e Vincent Poirier. E pensar “estou aqui, este é o momento”. Ah, e houve outro na pré-epoca, quando vi o Marc Gasol. Foi importante para mim perceber que isto era real e ninguém na minha equipa estava em êxtase, então percebi que aquilo era normal e real.

 

Qual foi o jogador mais difícil de defender este ano?

O Campazzo. Eles colocavam-me a defender os bases na primeira metade da época, por isso foi muito difícil porque ele gosta de se mover, é rápido e veloz. A ACB tem tantos jogadores diferentes de todo o mundo que podem não ser tão populares como outros jogadores, mas são confrontos difíceis para mim. Por exemplo, tive a oportunidade de defender o TJ Shorts, que foi o MVP da EuroCup. Ele esteve muito bem na pré-epoca ao jogar pelo Paris Basketball e foi muito difícil de defender. É assim, vês todos estes nomes e jogadores e tens de estar sempre no teu melhor nível cada vez que entras em campo.

 

Por curiosidade, quantas estratégias defensivas diferentes o Manresa tinha para defender o bloqueio directo?

Tens papel e caneta?! Aprendi defesas que nunca tinha visto na vida, nem sequer sabia que existiam. Provavelmente tínhamos cinco ou seis maneiras de defender o pick-and-roll e isso era algo que treinávamos todos os dias: a defesa do pick-and-roll.

 

E quantas jogadas tinha o vosso playbook?

Por exemplo, tínhamos uma jogada com cerca de 30 opções diferentes e nem sequer sabíamos o que estávamos a fazer metade do tempo. Grande parte do nosso jogo passava por correr durante os primeiros cinco a dez segundos. O treinador dizia para correr, correr, correr, sem sequer pensar em fazer mais nada. Era a nossa estratégia.

 

O que aprendeste de uma lenda como Pedro Martínez?

A principal coisa que aprendi, logo numa das primeiras conversas que tivemos, foi que ele me disse que aquilo em que sou bom, as coisas que me vêm naturalmente, nem sempre será suficiente. Tens de encontrar maneiras de melhorar o que já tens. Então, por exemplo, se és um bom defesa, tens de ser capaz de defender e também tens de ser capaz de lançar. Aprendi tantas coisas diferentes sobre o jogo e fui como uma esponja, um aluno em relação às coisas que ele ensinava. A forma como ele entrava na sala e conquistou o respeito de todos, todo o seu comportamento… Um tipo que já ganhou mais de mil jogos na ACB, chegava todos os dias motivado.

 

Como é que um treinador precisa de te falar para que a mensagem passe de forma eficaz?

Oh, é só dizer directamente. Não adoçar nada. Diz-me apenas. Diz-me exactamente o que queres dizer. Eu não me importo de como isso sai. Sei não levar as coisas para o lado pessoal. O objectivo é ganhar e o treinador é o general, mas vamos juntos para a guerra.

 

E como é que tu, como líder da seleção portuguesa, conversas com os teus colegas de equipa?

É diferente. Estou a lidar com muitos jovens na seleção nacional agora. Praticamente todos, exceto eu e o Miguel Queiroz, têm menos de 30 anos. Aprendi muito nestes últimos anos e tem sido óptimo estar com a seleção nacional. É muito especial. Sinto-me super honrado por fazer parte desta equipa e estar perto desta malta como o Miguel, o Ventura e o Gameiro. Apenas a aprender com os jogadores mais jovens, como o Brito e o Rafa, apenas a observá-los. Isto não é sobre mim. É sobre esta equipa. É sobre este país. Quero que sejam os melhores. Quero vê-los a jogarem no nível mais alto possível e a maximizarem o seu potencial. Então, quando falo com eles, digo-lhes tudo exactamente como precisam de ouvir.

 

Ainda não sabes para onde vais seguir quando voltares das férias?

Ainda estamos nesse processo. Temos que deixar os agentes fazerem o que fazem, o trabalho deles. Estou apenas a relaxar, a apreciar o que tenho, o que fiz. Adorei jogar na ACB. Estou a conversar com o agente, mas nem sei que tipo de ano tive, porque normalmente julgo-me por ter ganho um campeonato ou não, sabes? Estar nesta posição é um pouco diferente, mas estou a assimilar tudo, simplesmente não sei. Aconteça o que acontecer, vou estar grato, agradecido, mal posso esperar para fazer parte de qualquer equipa ou se for para voltar para Manresa, seja o que for, estou entusiasmado.

 

Pensas no pós-carreira? Tens aspirações além do basquetebol?

Sim, sabes, a chegar a esta fase agora, são esses os tipos de pensamentos que tens, pensas muito sobre isso. Então, agora, estou a tentar aprender onde posso ser eficaz neste mundo, sabes? Eu tenho de retribuir. Então, acho que em algum lugar entre o basquetebol e lidar com a juventude, talvez treinar, mas de alguma forma capacitar os jovens a serem o seu melhor é onde eu realmente quero estar. Vejo-me a dar palestras motivacionais, a criar santuários ou campos para onde as pessoas possam vir e melhorar e aprender, não é só sobre desporto, mas sobre a vida, e é onde eu realmente me vejo.

 

Nas redes sociais, és muito genuíno, partilhas vislumbres da tua vida pessoal que talvez a maioria das pessoas não espere de atletas profissionais, mas não escondes nada. Sentes às vezes que as pessoas não te percebem bem? Achas que as pessoas te julgam mal?

Eu acho que sim, acho que isso vem com o pacote. Acho que vai e volta, porque às vezes fico a pensar no que as pessoas estão a pensar de mim e depois há momentos em que penso “eu simplesmente não posso importar-me”, porque para saberes tudo o que passei e tudo o que fiz, terias de ver o filme completo. Terias literalmente de o ver como eu o vejo ou como as pessoas mais próximas de mim o veem. Tento ser o mais genuíno, o mais autêntico que posso ser, para que não haja confusão. Sei que a vida é assim, sei que as pessoas vão ter as suas opiniões de qualquer maneira e não há nada que eu possa fazer a respeito, a não ser continuar a ser eu próprio e a estar nesse espaço.

 

Pareces uma pessoa que valoriza as experiências. Qual é a experiência absolutamente imperdível na tua lista, aquela que tens mesmo de fazer na tua vida?

Bom, a primeira coisa que me vem à cabeça é saltar de paraquedas. Tenho mesmo de o fazer. Não há negociação quanto a isso, tenho de saltar de paraquedas.

 

És conhecido por dares espectáculo dentro e fora dos campos e tens highlights de Portugal, também deixaste a tua marca em Espanha. Lembro-me de uma rotação defensiva incrível para abafar um poste de 2,10 metros, o buzzer beater de um lado ao outro do campo nos playoffs, e – claro! -, a batalha de salsa com o teu colega Brandon Taylor. Quem ganhou?

Ele diz que foi ele, mas eu continuo a acreditar que ganhei. Mas tiro-lhe o chapéu. Foi um excelente companheiro de equipa e uma grande pessoa. E sabes, essa é a beleza do basquetebol e do desporto e de jogar a nível profissional: conheces pessoas fantásticas que te marcam a vida. Só por estar perto dele e da sua família, eu estou eternamente grato por esse relacionamento e por estar perto de uma pessoa assim, com grandes qualidades.

 

Já que estamos a falar de batalhas, quem ganhou o combate de rap, Kendrick Lamar ou Drake?

É engraçado porque eu e os meus colegas de equipa estávamos a seguir atentamente e a fazer as nossas próprias avaliações também. Mas acho que com o tempo, vamos descobrir quem realmente ganhou. Talvez possamos dizer que o Kendrick ganhou agora, mas talvez o Drake ganhe no final, quem sabe?

 

Que música te deixa entusiasmado antes de um jogo?

Wonderwall. É a minha favorita, a minha favorita mesmo.

 

E em relação a trash talk, tens alguma expressão que gostes de usar?

Agora, na ACB, tento ser amigável e simpático. Não quero chatear ninguém!

 

E tens alguma frase preferida que te tenham dito em jeito de provocação?

Não, não há provocações contra mim. Lembro-me de há uns anos, quando estava a jogar em Portugal… Lembro-me do Terrell Carter me dizer “É por isso que ainda estás em Portugal. Parece que estás aqui há 20 anos ou algo assim”. E eu pensei “Estás chateado comigo porque ainda estou aqui?”. O Terrell é um tipo porreiro!

 

Além do basquetebol, como é o Travante Williams em casa?

Passo muito tempo ao telefone, a falar com a minha família, com os meus amigos mais próximos, com os meus irmãos e com a minha mãe. Estou sempre a tentar animá-los. Fora do basquetebol, sou a pessoa a quem as pessoas ligam quando precisam de alguma coisa, quando precisam de ser animadas ou sentir-se bem. Por isso, sou esse tipo de pessoa a quem recorrem.

 

Algumas pessoas devem estar a par, especialmente porque foi amplamente divulgado, de uma carta que escreveste a Kobe Bryant quando tinhas 13 anos, certo? E contavas como a tua família estava a sucumbir às drogas, os teus pais estavam presos na altura. Escreveste que querias ser uma estrela, mas não no céu. Achas que, ao colocar o teu desejo de perseguir o teu sonho nessas 20 linhas, estavas a fazer um compromisso com Kobe de que farias tudo o que estivesse ao teu alcance para não seres medíocre?

Olho para trás agora e penso que tinha tanta coisa dentro de mim. Lembro-me da minha mãe a consumir drogas, e lembro-me de pensar… que eu tinha um problema de atitude, estava sempre a meter-me em problemas na escola, mas era inteligente, os meus professores adoravam-me. Lembro-me de escrever aquilo porque um dos professores, o Sr. LaRue, conseguia o melhor de mim. E quando se fala em pôr as coisas por escrito e depois vê-las e recuperá-las, estou a viver isso neste momento. Escrevi que queria mesmo viajar pelo mundo. E é basicamente isso que faço para viver agora. Viajo.

 

Em campo, és muito confiante. Nunca vemos sinais de dúvida na tua linguagem corporal. Achas que a tua força mental, essa capacidade de parecer imperturbável, foi construída a partir dessa infância difícil?

Acho que anda de mãos dadas, porque sou definitivamente apenas um tipo normal no que toca a isso. Ainda fico nervoso quando piso o Wizink Center, em Madrid. Fico nervoso. Tenho medo. Mas sei que tenho a capacidade de ir a esse espaço onde estava e aos momentos em que não pensei que isto fosse possível e aos momentos em que não acreditava em mim próprio. Posso ir lá e apenas sorrir. Muitas vezes chego à linha de lances livres e penso: “Oh, maldição, não quero falhar”. E deve haver montes de vídeos de mim, a chegar à linha de lances livres e a começar a rir-me. Muitas vezes tento dizer a mim mesmo quando lá chego: “Olha para a vida que estás a viver. Estás a pensar num lançamento livre, mas estás a lançar a bola contra o Barcelona. Do que é que te estás a queixar? Porque é que estás a choramingar? Cala-te, marca ou falha”. Portanto, essas experiências de infância trouxeram-me definitivamente ao lugar onde estou agora. E consigo voltar a esses sítios e estar em paz com eles e compreender que não era suposto ser perfeito.

 

E não sei se foi a tua avó que comprou o envelope e o selo, e que te levou aos correios, mesmo que ela soubesse que o Kobe provavelmente nunca iria ler aquela carta. No entanto, ela encarnava a verdadeira essência do amor. Foi a pessoa cujo orgulho tem mais peso na tua vida?

Sim, com certeza. A minha avó manteve toda a minha família unida. Ver uma pessoa assim unir tantas pessoas, trazer estranhos para casa dela, alimentá-los, vesti-los, dar-lhes as coisas de que precisavam. É especial. E vejo isso em mim mesmo, na forma como interajo com as pessoas. Vem do coração. E sim, sempre que me vejo a fazer o bem, consigo agradecer-lhe por ter sido a pessoa que me mostrou o caminho a seguir.

 

Recebes mensagens de jovens fãs que te admiram da mesma forma que o Travante de 13 anos admirava o Kobe?

Recebo muito amor. Estou muito grato por isso. É fixe que alguém te veja assim. E tento sempre inspirá-los a olharem para si mesmos da mesma forma que olhariam para mim. Sabes o que quero dizer? Encontrar esse mesmo algo neles, explorá-lo e ser o seu melhor. Assim, no final do dia, terás um grupo de pessoas que estão a ser o seu melhor.

 

Então, o pequeno Travante queria ser uma estrela. Talvez estivesse a falar de brilhar no campo de basquetebol, mas talvez o Travante de agora saiba que é mais importante ser uma estrela fora do campo. Já és a estrela que querias ser?

Sim, consegui. Não tem nada a ver com o sucesso na minha carreira profissional, nem nada do género. É apenas a paz que sinto comigo mesmo e o facto de estar sempre a aprender. Todos os dias são uma nova experiência de aprendizagem. Por isso, estou apenas grato. Estou grato por estar nesta posição. Estou grato por estar envolvido nisto, estou grato até mesmo nesta conversa. Estou grato por tudo isso.

 

Muitas entrevistas terminam com alguém a pedir conselhos para o seu eu mais jovem. Em vez disso, quero perguntar-te o que queres dizer ao Travante Williams que vai acordar amanhã de manhã?

Eu quero dizer-lhe: “Vamos à praia! Aproveita a vida e aprecia, apenas aprecia esta existência”.

 

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23 JUL 2024

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