Joana Soeiro: “Quero mostrar o que realmente sou capaz de fazer”

Ricardo Brito Reis esteve à conversa com a internacional portuguesa

Atletas
17 OUT 2024

Numa conversa franca, a internacional portuguesa Joana Soeiro fala sobre a experiência difícil na Liga Endesa, na última temporada, e a ambição de crescer tecnicamente na sua nova fase no Zamarat, em Espanha. A base revela que o reencontro com o treinador Ricardo Vasconcelos foi um fator decisivo na escolha da equipa e fala da busca constante por evolução, partilha a expectativa de lutar pela subida ao principal escalão espanhol e reflete sobre o impacto emocional de querer alcançar grandes feitos com a seleção nacional.

Como estava a Gafanha da Nazaré este verão? 

Muito calor, o que não é assim tão normal. Mas, depois da seleção, tive uns dias em que ainda deu para descansar, fiz uma boa praia… Desapareci, apaguei as apps das redes sociais, tudo!

Depois da época passada, estavas mesmo a precisar de férias.

Foi uma temporada muito difícil em Espanha, muita coisa nova para mim, em todos os sentidos, o bom e o mau.

Estiveste no Bembibre, foi a tua estreia na Liga Endesa. Provavelmente, quando foste contratada, não antecipavas uma época assim. Em que momento é que percebeste que o Bembibre ia ter uma época muito difícil?

Comecei a perceber lá para outubro, fim de outubro, mais ou menos. No início, há sempre aquele mês de adaptação. Aquele período de “trial”. Mas depois de um mês, mês e meio, as coisas não estavam a encaixar.

E não houve uma evolução?

Não, nós não saíamos daquele momento, e depois de dois meses o treinador já não conseguia passar os sistemas para a equipa. A equipa começou a desacreditar muito cedo.

Tinham muitas jogadoras de diferentes países e experiências diferentes.

Sim, havia jogadoras que vinham de ligas muito distintas. Tínhamos desde uma rookie que jogava em Duke até uma jogadora da EuroCup Women. Era como se tivessem feito um puzzle, mas com peças que não encaixavam.

Isso deve ter sido muito frustrante…

Muito. Depois ainda despediram o treinador em novembro ou dezembro, mandaram embora várias jogadoras… foi uma confusão.

E para ti, que estiveste em projetos vencedores ao longo da tua carreira, como foi lidar com uma época assim, do ponto de vista mental?

Foi muito difícil. Mas eu tenho essa minha personalidade positiva. Era a primeira, no balneário, a dizer: “Bora, isto vai virar!” Mas lá para o fim da época, até eu comecei a desacreditar.

As tuas colegas perceberam isso?

Sim, uma delas até me disse: “Se tu já não acreditas, então podemos fazer as malas e ir embora.”

E o que te fez ficar? Por que não saíste?

Foi o compromisso. Eu assinei um contrato, e para mim, isso significa algo. Seria fácil, sim, mas eu preferi ser fiel aos meus valores e ficar até ao fim, mesmo sendo difícil.

Deve ter havido momentos em que já não tinhas palavras para motivar a equipa, não?

Tantas vezes. Especialmente nos intervalos, quando já estávamos a perder por 20 ou 30 pontos. Era frustrante porque muitas vezes íamos para o intervalo a competir taco-a-taco com equipas da Euroliga e, mesmo assim, a mentalidade da equipa era de desistir.

E como é que te mantinhas motivada, a nível individual?

Eu agarrava-me às poucas jogadoras que ainda tinham energia e tentava puxá-las. Essas eram as pequenas vitórias que me davam alguma satisfação.

E tu também precisavas de encontrar algo positivo numa época assim, certo?

Sim. Eu saí dali com a sensação de que provei a mim mesma que consigo jogar a esse nível, independentemente de como a equipa estava. Eu trazia sempre os meus 300%, e isso só dependia de mim.

Mesmo com a equipa a não acompanhar, conseguiste manter o teu nível?

Sim, claro que houve jogos em que estava super frustrada, mas eu continuava a dar o meu melhor. Mesmo com as poucas condições de treino, eu tentava fazer tudo o que podia.

Então não viste a época passada como uma perda total?

Não, de maneira nenhuma. Apesar de tudo, consegui tirar algo de positivo, principalmente a nível individual.

E os teus objetivos pessoais? Mantiveste-os mesmo com a equipa a não corresponder?

Sim, claro. A minha posição como base exigia que eu tentasse organizar a equipa, mas quando percebi que isso não ia acontecer, concentrei-me nas jogadoras que ainda estavam ali a competir e tentei puxar por elas.

Essas eram as tuas pequenas vitórias?

Sim, agarrava-me a isso. Quando uma delas marcava um triplo, era uma pequena vitória que me dava força para continuar.

E o que é que tiraste de positivo, no fim de contas?

Que consigo competir a esse nível. Mesmo com todas as dificuldades, provei a mim mesma que sou capaz.

Vamos virar de página. Esta época estás no Zamarat, da LF Challenge. É um passo atrás para dar dois à frente daqui a uns tempos, numa equipa treinada por alguém que tu conheces bem, o selecionador nacional Ricardo Vasconcelos. Foi essa a principal razão para aceitares este projeto?

Foi uma forte razão, sim. Eu venho de um ano em que, sinceramente, não aprendi nada a nível técnico ou tático. E eu não tenho problemas em dizer isso, porque nem sempre é tudo brilhante e incrível. Parece que é difícil de acreditar, mas é possível não aprender nada na Liga Endesa. Só porque jogas numa liga top, não quer dizer que saias uma “máquina” no final. Eu estava constantemente acima do nível dos treinos, e isso foi uma desilusão muito grande para mim. Queria sair da minha zona de conforto, mas acabei por não crescer como queria.

Então, ao aceitar o projeto de Zamora, foste à procura de quê?

Estou à procura de me tornar melhor. Não estou em busca de dinheiro, de prestígio ou de “spotlight”. Quero um desafio que me faça crescer, que me mostre as minhas fraquezas e me faça trabalhar nelas. E ninguém melhor do que o Ricardo para isso. Ele sabe onde eu sou fraca e vai-me massacrar até eu melhorar. É isso que procuro.

Não te vais fartar do Ricardo, entre Zamora e a Seleção?

Epá, espero que não! (risos) Já nos conhecemos há quase 15 anos. Se não nos fartámos até agora, não vai ser em oito meses que isso vai acontecer!

Vocês já se conhecem desde o Algés.

Sim, apanhei-o na formação. Ele estava mais com as camadas jovens. Fiz alguns treinos com as juniores, mas não era muito frequente.

E agora, voltas a trabalhar com ele num contexto de clube.

O Ricardo não pode ser o mesmo na seleção e no clube, tal como eu não sou a mesma jogadora. Na seleção, temos uma janela de uma semana para preparar dois jogos. No clube, é um dia-a-dia mais constante. Mas o que é certo é que ele continua com os seus ideais e eu também vou dar o meu máximo para crescer.

A Liga Challenge é uma boa liga. Achas que vais conseguir aprender mais do que no último ano?

Sim, sem dúvida. A Liga Challenge é super competitiva. Não tens aquelas equipas que ganham tudo por 20 ou 30 pontos. Todos os fins de semana tens de trazer o teu melhor jogo. Isso, aliado ao facto de eu já conhecer o estilo do Ricardo, vai-me ajudar a crescer imenso. Vai depender de mim, claro, mas sei que estou no caminho certo.

O clube tem ambição de subir para a Liga Endesa?

Sim, isso foi uma das primeiras coisas que falámos. Antes de dizer que sim ao Zamora, o clube já tinha esse objetivo claro. Lutar para subir, seja na fase regular ou nos playoffs. Quando vi essa ambição, fez todo o sentido para mim. O Ricardo tem feito um trabalho excelente nos últimos anos, e isso dá-me segurança.

Achas que este projeto pode ser uma forma de mostrar que a última época não refletiu o teu verdadeiro potencial?

Sim, sem dúvida. Acho que, se conseguirmos subir ou ganhar a Challenge, e eu sendo a base principal da equipa, vai dar uma nova perspetiva sobre mim. No último ano, as coisas não correram bem, e muitos treinadores até perguntaram sobre mim, mas acabaram por não fazer propostas porque a equipa não ganhava. Foi injusto, mas é o que é. Agora quero mostrar o que realmente sou capaz de fazer.

E na seleção, a motivação continua a ser a de levar o país a uma grande competição? Por quem, para além de ti?

Muito por eles, pela Sofia da Silva, pelo Ricardo, por todos… Há um jogo em particular que foi muito doloroso para todos. Sentimos que estávamos tão perto e não conseguimos. Eu fiquei com medo de perder essas pessoas, por desgaste. Isso fez com que eu me agarrasse ainda mais a este objetivo. Claro que também o faço por mim, mas é muito por eles.

É um privilégio fazer parte de um grupo assim?

Sem dúvida. É algo que dinheiro nenhum pode comprar. Na seleção, estamos todos lá por um sonho e uma ambição que vai muito além do dinheiro.

Também jogas 3×3. É difícil mudar o “chip” entre os dois estilos?

Um pouco, sim. O 3×3 é um jogo muito diferente, exige muito mais de ti fisicamente. Tens de fazer coisas que no 5×5 nem sempre tens de fazer. Estás sempre a trocar defensivamente, a defender jogadoras muito mais rápidas e pequenas. É muito desgastante, mas também adoro o desafio.

E com o 3×3 nos Jogos Olímpicos, imaginas-te a representar Portugal em Los Angeles 2028?

Imagino, claro! Já ganhámos a muitas das equipas que estiveram nos Jogos Olímpicos deste verão. Já sentimos o cheirinho de que é possível. Vamos ver, pode ser que aconteça.

Como tens visto a evolução do basquete feminino em Portugal nos últimos anos?

Tenho visto uma evolução brutal. A liga está cada vez mais competitiva, com equipas fortes e jogos disputados. A federação tem feito um grande trabalho na projeção da modalidade, nos últimos 10 anos, e agora mais recentemente com a ajuda da Betclic. E o Benfica também ajudou muito a trazer mais visibilidade para o campeonato.

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17 OUT 2024

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