Francisco Amarante: “Para chegar à ACB, tenho que mostrar o meu valor”
Ricardo Brito Reis esteve à conversa com o internacional português
Atletas
19 NOV 2024
Aos 24 anos, Francisco Amarante é um dos talentos portugueses em ascensão no basquetebol europeu. Em entrevista à FPB, o internacional luso fala sobre os desafios de jogar em Espanha, o impacto do trabalho mental na sua carreira, a determinação de voltar ao topo após superar um ano complicado e o sonho do EuroBasket e da ACB.
Tens vivido anos intensos desde que saíste de Portugal para jogar em Espanha. Mas, agora, estás a jogar, bem e feliz. Concordas?
Sim, sem dúvida. O ano passado foi um ano muito atípico, complicado mentalmente. Como jogador, queremos sempre estar a jogar, e nem sempre foi possível. Mas já passei essa fase, deixei para trás esses momentos. Agora, estou focado em seguir em frente, e, felizmente, estou a jogar, que é o mais importante para mim.
Vamos voltar um pouco atrás e falar sobre o que fizeste em Portugal antes de ires para Espanha. Começaste no Gafanha e depois foste para o FC Porto, o que para muitos poderia ser um passo complicado. No entanto, conseguiste estar lá cinco temporadas, crescendo cada vez mais. O que aprendeste nesse período que te ajudou a afirmar-te?
Eu comecei no Gafanha, onde aprendi as bases e descobri o prazer de jogar. Aos 15 anos, tive a oportunidade de ir para o FC Porto, e entrei num projeto sólido. Comecei logo na Proliga, e isso deu-me uma bagagem importante, porque tive de treinar e competir contra homens, o que não estava habituado. Senti que precisava de encarar isto de forma séria e trabalhar para ser melhor todos os dias. Essa mentalidade de trabalho e disciplina ajudou-me a conquistar o espaço na equipa e a confiança dos treinadores e colegas. Esse processo foi essencial para o meu crescimento.
É interessante, porque muitos atletas de alta competição mencionam que, em algum momento do desenvolvimento, enfrentaram um contexto desconfortável. No teu caso, aos 15 anos, já estavas a jogar com homens. O que te motivava a continuar, mesmo nos momentos difíceis?
Foi um choque, sem dúvida. Lembro-me bem do primeiro dia em que fui treinar, estava convencido de que ia jogar com a minha equipa de sub-16. Mas colocaram-me a treinar com a equipa B, e foi um choque. Passei por momentos difíceis, mas o prazer de treinar, evoluir e competir com jogadores melhores do que eu foi o que me fez querer continuar. O gostar de jogar mantinha-me motivado, e isso fez-me superar os momentos de desconforto.
Nem sempre é fácil para um jovem lidar com essas situações aos 15 ou 16 anos. Tiveste algum apoio externo ou essa visão mais a longo prazo veio de forma natural?
Veio naturalmente, mas também tive sorte com o ambiente. Tínhamos uma equipa jovem, com jogadores como o Pedro Oliveira, o Diogo Araújo e o Nuno Sá. Havia uma dinâmica em que acreditavam em mim e queriam ajudar-me a crescer. Aproveitei essa oportunidade, senti que queriam o meu desenvolvimento, e isso deu-me a confiança para evoluir e afirmar-me.
Em algum momento, pensaste em procurar outros projetos para ter mais tempo de jogo? Ou sempre soubeste que o FC Porto era o lugar ideal para ti?
Houve momentos em que pensei nisso, especialmente quando não estava a jogar tanto. Mas foquei-me no trabalho diário, no objetivo de estar entre os melhores e disputar títulos. Aprendemos muito nesses momentos. Claro que é tentador procurar um lugar onde se jogue mais, mas sempre acreditei que o FC Porto era onde queria estar e onde podia dar o meu melhor.
Aos 22 anos, foste eleito o Melhor Jogador Jovem da Liga. Sentiste que foi uma validação do teu trabalho?
Sem dúvida. Foi um ano em que senti que dei muito à equipa e que evoluí bastante. Esse prémio foi uma motivação extra para continuar a trabalhar e querer ser ainda melhor. Fiquei feliz, mas queria continuar a progredir.
Depois, mudaste-te para Espanha. Sentias-te mais preparado para lidar com esse tipo de incertezas de começar num contexto novo e desafiante?
Sim, é uma realidade distinta e muito competitiva. Percebi que a intensidade e o aspeto mental são fundamentais aqui, além do talento. Decidi sair da zona de conforto no FC Porto para dar este passo. Este ano, estou mais focado, e, apesar das dificuldades do ano passado, sinto que fiz a escolha certa e que vai correr bem.
Falaste na importância do treino mental. Como treinas esse aspeto, que é tão importante, mas nem sempre visível?
Para mim, a parte mental trabalha-se no esforço diário e nas repetições, que nos dão confiança. Mas há um nível mental que separa os jogadores comuns dos grandes jogadores, os melhores do mundo. O nosso treinador também trabalha muito esse lado, incutindo competitividade e resiliência, e isso ajuda a manter o foco e a não ficar preso a momentos maus ou bons.
E como é enfrentar uma lesão quando queres começar numa nova equipa? Como lidaste com a incerteza de não saber se o Oviedo continuaria contigo?
Foi muito complicado. Parti o pé, depois o processo demorou, precisei de imobilização e eventualmente de cirurgia. Concentrei-me em fazer o que podia para recuperar e no apoio que o treinador e a equipa me davam, o que me deu alguma tranquilidade. Sempre me deram a indicação de que queriam contar comigo, e isso ajudou a manter-me focado.
Agora que estás totalmente recuperado, sentes uma vontade extra de retribuir essa confiança a dirigentes e equipa técnica do Oviedo?
Com certeza. Quero fazer as coisas bem, ajudar a equipa a alcançar os seus objetivos e mostrar o meu valor. É uma oportunidade que valorizo muito, e tenho muita vontade de retribuir.
E tens retribuído. Ainda recentemente foste eleito para o 5 ideal da jornada, depois de um ano tão duro. Dá-te um orgulho especial?
Sim, foi um jogo que me deu muito prazer. Ver o meu nome no 5 ideal dá aquele sentimento de que vale a pena todo o trabalho. Quero repetir mais vezes, sem dúvida.
Mas o Diogo Brito, do Ourense, ainda te ofuscou nessa jornada ao ser MVP, certo?
É verdade! Quando vi o Diogo lá como MVP, ri-me. Mas ele jogou muito bem, foi merecido. Fiquei contente só de estar no 5 ideal. Cada coisa a seu tempo.
Vocês, portugueses, acabam por se reencontrar muitas vezes. Quando se encontram, é uma festa? Conseguem estar juntos?
Quando há oportunidade. Por acaso ainda não tivemos muitas, porque a malta volta para as cidades onde joga. Mas já combinámos, eu e o Vlad (Voytso), que está aqui perto, de estarmos juntos num fim de semana de folga. É sempre bom chegar num jogo e poder falar um bocadinho de português. Dá sempre aquela alegria de encontrar a malta, falar do que está acontecendo na vida e tudo isso.
Acabam por torcer uns pelos outros…
Eu sinto que há essa união entre nós. Estamos todos aqui para fazer o nosso melhor. Eu, pelo menos, tenho muito prazer em ver a malta jogar bem e sinto que é uma coisa boa, uma espécie de núcleo português que está a lutar pelos nossos sonhos e pelo sonho dos basquetebolistas em Portugal de jogar fora. Então, sim, acho que há esse apoio.
Quando saíste de Portugal, já querias ir para Espanha? O sonho era a ACB?
Sim, sempre tive essa curiosidade e ambição. Sabia que para chegar à ACB, teria que passar pela LEB Oro (agora Primera FEB) e mostrar o meu valor. Sempre gostei muito de Espanha e queria ter essa experiência. Foi por isso que escolhi vir para cá.
Este ano está a correr muito bem para o Ourense, do Diogo Brito e do Rafael Lisboa. E eles têm um treinador que conheces bem.
Sim, o Moncho (López) foi quem me deu as maiores oportunidades que tive e me ajudou a crescer como jogador. Torço para que tudo corra bem para ele e para a equipa… exceto quando jogam contra nós, claro! Eles já nos ganharam, mas sim, desejo tudo de bom para eles.
No vosso jogo contra o Ourense, chegaste a defender o Diogo ou o Rafael? Houve algum momento de confronto direto?
Sim, tanto com ele quanto com o Rafa. É engraçado ter um matchup direto com alguém que conhecemos e com quem nos cruzamos tantas vezes.
E há trashtalk em português?
(Risos) Não, não fiz nenhum trashtalk, mas devia ter feito!
O que é que seria uma boa temporada para ti?
Em primeiro lugar, gostaria de ter uma época sem lesões. Ajudar a minha equipa a chegar aos playoffs, que tem um ambiente diferente e tenso, com pavilhões cheios. Individualmente, gostaria de sentir que melhorei como jogador, não só tecnicamente, mas também mentalmente.
Quais são as tuas prioridades?
Neste momento, minha prioridade é o aspecto mental, que tenho trabalhado e acredito que é importante para o meu futuro. Como jogador, quero melhorar em tudo um pouco e ser mais constante. Também quero ser mais agressivo, sólido na defesa e melhorar o drible.
E do ponto de vista tático? A Primera FEB é muito exigente?
Nem acho que seja tanto do ponto de vista tático. Sempre trabalhei com treinadores que focam na tática, e gosto disso. Mas a maior diferença que sinto é o ritmo e a intensidade, além do talento de alguns jogadores, que fazem a diferença na liga.
Tantos portugueses na Primera FEB beneficia a seleção nacional, certo?
Sim. Todos temos o objetivo de estar no EuroBasket e que isso tem dado um boost extra para a seleção. Sabemos que isso pode representar muito para o basquete em Portugal.
E há confiança mesmo sem Neemias Queta? Sentem que podem ganhar?
Claro que, com o Neemias, daríamos um passo gigante, e tivemos essa experiência quando jogou connosco há dois verões. Ele está num nível superior, e isso faz diferença. Mas a confiança está lá. Se conseguirmos chegar a esses momentos e ganharmos os jogos para estar presentes com ele, vamos dar um passo maior.
Agora vão ter um confronto com a Eslovénia sem o Neemias… e sem o LukaDoncic!
Sim, ajuda muito o Luka não estar. (Risos) Claro que outros jogadores estarão lá, mas se ele estivesse, as coisas seriam mais difíceis. Ele está bem lá em Dallas.
Estás preparado para defender quem quer que seja?
Sim, não lhes vou largar os calcanhares, senão eles também não param de meter a bola lá dentro. Estou com muita vontade de chegar a esse momento.
Estás em Espanha, mas ainda acompanhas o basquete português?
Vejo os resultados todos os fins de semana. No FC Porto, tenho amigos com quem joguei, portugueses e americanos. Quando posso, vejo jogos na FPB TV.
A última entrevista que fiz foi com a Joana Soeiro, que falou do campo de basquete em comum que vocês têm.
A minha casa está a cinco minutos desse campo. Passo sempre lá para ver se há alguém a jogar, e fico muito feliz de ver que a minha cara e a dela estão ali, como que a inspirar outros a jogar basquete. E no verão, quando posso, vou lá jogar com amigos.
Mostras quem é que manda naquele campo?
Sim! (Risos) Significa muito para mim e acredito que para a Joana também. Dá-me um prazer enorme jogar ali.
Agora, depois de um ano difícil, estás a sentir outra vez aquela alegria do miúdo que começou a jogar basquete no Gafanha?
Sim, estar a jogar e a seguir o meu sonho, ter o basquetebol como trabalho é um privilégio.
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