Joana Magalhães: “Não interessa se sou freshman ou de Portugal — vou conquistar o meu lugar”
A jovem internacional portuguesa em entrevista

7 ABR 2025
Joana Magalhães trocou os dias inteiros nos Lombos por ares novos em New Mexico e brilhou logo na época de estreia na NCAA. Numa conversa sem filtros, a jovem base fala das saudades de casa, do choque cultural nos EUA, do crescimento competitivo e do sonho por cumprir: vestir a camisola da Seleção Nacional.
Joana, passaste uns dias em Portugal depois de acabares a época. Deu para matar saudades?
Deu, não muitas porque foi só uma semana, mas já deu para voltar a estar com alguns amigos e com a família.
Como tem sido lidar com essa distância da tua família, e sobretudo da tua irmã, a Maria?
Não tem sido fácil. Eu e a minha irmã somos muito, muito próximas. Temos sete anos de diferença, mas parece que são um ou dois… somos mesmo muito unidas. A nossa família também é muito ligada, por isso vir para os Estados Unidos foi um grande passo para todos. Tem corrido bem, mas é difícil.
Tens uma família de basquetebol também, não é?
Sim, o meu pai jogou, teve uma carreira de 30 anos… Eu basicamente nasci com uma bola na mão. Mas até acho que comecei tarde. Comecei aos seis anos, mas só mesmo porque os meus pais queriam que eu escolhesse o basquete, em vez de me empurrarem para isso.
Que outros desportos experimentaste?
Ténis, todas as ginásticas possíveis, dança, futebol, boxe… experimentei um pouco de tudo.
Portanto, és a pessoa mais avalizada para dizer que o basquetebol é a melhor modalidade?
Sim, não há mesmo nada melhor do que o basquetebol.
Estiveste 12 anos na Quinta dos Lombos. Dois terços da tua vida no mesmo clube. Quão estranho foi para ti sair dessa bolha para uma realidade completamente diferente, que neste caso foi atravessar o oceano e ir para os Estados Unidos?
Foi um passo enorme. Quando estás muito confortável num sítio e vais experimentar algo que não sabes o que te espera… é assustador. Muito assustador. Porque pode correr bem, como pode correr muito mal. Graças a Deus, está a correr bem. Mas sair dos Lombos foi muito doloroso. Muito mesmo. Eu passava lá a minha vida. Todos os dias estava lá. Deixar de ver aquelas pessoas todos os dias foi difícil. Eu só estava em casa, se calhar, um bocadinho da tarde, duas horinhas só para fazer tempo até ao treino. E às vezes, quando não queria estar em casa, ia para os Lombos. Isso acontecia muitas vezes. Basicamente, eu só ia mesmo para casa para jantar e dormir.
E como é que achas que esse percurso nos Lombos te influenciou e te ajudou a construir a tua identidade como jogadora e como pessoa?
Muitos bons jogadores passaram pelos Lombos, e acho que isso me influenciou muito — ver o que queria para mim. Muitos deles foram meus treinadores. Por exemplo, a Beatriz Jordão. Esteve comigo em Sub12 e foi a minha grande referência, cujo percurso eu queria seguir. Os Lombos são como uma família e eu caí no sítio certo. A minha personalidade encaixou com as deles. Todos os treinadores por quem passei eram muito parecidos comigo em muitos aspetos, e acho que isso ajudou bastante. Tínhamos uma boa relação, e isso fez-me melhorar como mulher e como jogadora. A forma como queriam que eu evoluísse foi muito especial. E acho que isso é difícil de encontrar noutros clubes.
E quando é que começa a surgir a ideia de poderes ir para fora e experimentar esta aventura? E mais do que isso, como é que essa conversa surge em casa? Dizeres que queres sair do país e ir sozinha para o outro lado do oceano… não é propriamente aqui ao lado.
A ideia só se tornou séria no meu primeiro ano de Sub18. Eu ainda não tinha bem a certeza do que queria fazer — se queria ficar em Portugal e tentar chegar à Liga, ou se queria mesmo sair, explorar o mundo e ir para os Estados Unidos. Numa Supertaça, Lombos vs. GDESSA, eu tive uns minutinhos e consegui aproveitá-los. E o meu pai e o Carlos (Andrade) são amigos e falaram um bocado… e foi o meu pai que trouxe essa conversa para casa — não fui eu. Disse-me: “Joana, o nosso sonho pode tornar-se realidade”. E eu respondi: “Aceito. Não estou a brincar, por mim aceito”. Depois estivemos a falar em família, se era mesmo isto que eu queria. Eu precisava de dar este passo. Nunca tinha saído da minha zona de conforto, que eram os Lombos. Portanto, precisava mesmo de viver uma nova aventura. Os meus pais, claro, querem o melhor para mim e sempre acreditaram em mim desde o início. Sabiam que eu me ia safar bem.
Ver esta publicação no Instagram
Disseste que escolher New Mexico foi a melhor decisão da tua vida. Chegaste a visitar o campus, tu e a tua família, antes de decidires?
Sim, cheguei. Fui visitar o campus já com boas ofertas. A visita era mesmo só para perceber se queria estar aqui ou não, ver como era o ambiente, se era algo familiar como nos Lombos, conhecer as pessoas… Era mesmo isso que eu queria — um sítio onde me sentisse eu própria, sem filtros, e onde os fãs realmente gostassem de ver basquetebol. E foi mesmo isso que encontrei. Aqui, nos Estados Unidos, é completamente diferente de Portugal — aqui as pessoas admiram mesmo o basquetebol feminino. Eu queria um ambiente com fãs, com energia. Quando vim cá em visita, treinei uma vez com a equipa, gostei do programa. Depois do treino, fui ver o “The Pit” e apaixonei-me. Aquilo é mesmo muito bonito.
Fala-nos um bocadinho do “The Pit”. É quase como um fosso, não é? O pavilhão é construído abaixo do nível do solo?
Sim, é.
E qual é a sensação de lá jogar? Já jogaste com o pavilhão cheio?
Tivemos, acho eu, entre cinco mil e sete mil pessoas num jogo. Não encheu completamente, mas já cria uma grande atmosfera, muito barulho. Os jogos dos rapazes são completamente diferentes — aquilo enche mesmo, não há lugares vazios. Já fui ver vários jogos deles. Se nós tivéssemos tantos fãs como eles… aquilo é ridículo, no bom sentido! Dá-te raiva — daquela boa — sentes mesmo que consegues ganhar um jogo contra uma equipa melhor só com aquela energia. É algo completamente diferente. No contexto do basquetebol universitário feminino, estamos muito bem. Há universidades que nem chegam a ter tantos adeptos. Por isso, estou muito grata pelos fãs que temos.
No meio disto tudo, de certeza que uma das condições da tua família era a parte académica. Como está a correr o curso de Business Administration?
Está a correr muito bem. Tenho uma média de 3.2, se não me engano. Portanto, de 0 a 4, é bom. Claro que os estudos aqui são completamente diferentes. Não digo que sejam mais fáceis, mas é uma abordagem diferente. Aqui dá para ganhar muitos pontos extra com trabalhos, porque o foco está mais no trabalho de casa do que no que se faz na aula. Acho que isso ajuda muito os atletas, porque com a nossa rotina — treinos, jogos, estudos — temos os trabalhos de casa, vamos para o “study hall” e conseguimos cumprir tudo. É incrível.
E foi fácil para ti gerir isso tudo neste primeiro ano? Um ano de adaptação, com muitas experiências novas, imprevistos, muitas coisas novas à tua volta…
Saber gerir os estudos, o básico da vida social, o dia a dia… no início foi difícil adaptar-me, mas claramente valeu a pena.
Daquilo que tens vivido da cultura americana — dentro e fora do campus — o que é que te tem surpreendido nesta aventura nos Estados Unidos?
Para ser sincera… a maneira de se vestirem! Só isso, mesmo. Os americanos não querem saber. Vêm de pijama para a escola! Tipo… acordaste, vais para a escola, nem tomas banho, nem vestes uma roupa… normal? Eu, por exemplo, visto fato de treino, às vezes calças de ganga se me apetecer… mas pijama?! Isso já é outro nível. O sítio mais estranho onde vi alguém de pijama foi no shopping! Estava a comprar roupa e vi imensa gente de pijama. Aqui é super normal. Até algumas colegas de equipa, às vezes, vão para o treino de pijama — o que até percebo, acabaram de acordar… mas mesmo assim, não percebo! (risos)
Ver esta publicação no Instagram
E dentro de campo, foi um ano feliz para ti?
Foi. Foi mesmo.
Porquê?
Consegui encontrar outra mulher dentro de campo. Descobri novas qualidades em mim e consegui melhorar os meus defeitos.
O que é que melhoraste? E o que descobriste de novo sobre ti?
Nunca tinha experienciado um ambiente tão competitivo. Isso ajudou-me muito a descobrir uma nova versão de mim em campo. Eu gosto de competição, mas nunca tinha tido competição verdadeira — e muito menos jogos assim. Quanto aos defeitos… tinha emoções que precisava de controlar. Para ser uma líder, que era o que o meu treinador me pedia, tinha de melhorar isso. E estou mesmo a notar a diferença. Estou mais calma, tenho mais noção do que está a acontecer de um minuto para o outro, consigo analisar o jogo muito mais rapidamente.
Rapidamente ganhaste um lugar no cinco inicial. E não só isso — a partir de dezembro começaste a jogar praticamente 30 minutos por jogo, o que é pouco comum para uma “freshman”, como temos visto com a maioria das portuguesas que foram para os Estados Unidos este ano. O que é que te ajudou a garantir esse papel tão importante na equipa?
Acho que muitas “freshmen” e até jogadoras internacionais chegam aqui a pensar: “Sou freshman, é normal não jogar muito”. Mas essa é a forma errada de pensar. A forma certa é: “Não interessa se sou freshman, aqui toda a gente joga”. Não há freshman, sophomore, junior… estamos todas na mesma equipa. Se quero jogar e conquistar o meu lugar, tenho de trabalhar para isso. O meu treinador não estava à espera que eu fosse tão parecida com ele, mas ele confiou em mim. E eu mostrei-lhe logo na pré-época que estava ali para ficar durante quatro anos, para ser a melhor versão de mim mesma e melhorar todos os dias. Acho que isso me ajudou muito a mudar a mentalidade com que cheguei. Não interessa se sou freshman, não interessa se sou de Portugal — vou conquistar o meu espaço. Trabalhei para isso… e correu bem.
Portanto, o que fez a diferença foi a mentalidade com que encaraste esta época? Viste-te ao mesmo nível de qualquer outra jogadora da equipa, deste o máximo, e sabias que, mais cedo ou mais tarde, coisas boas iriam acontecer.
Exatamente. E também há a questão da competitividade. Claro que as amizades vêm, e fiz grandes amizades, mas no início é cada uma por si, a tentar conquistar o seu lugar. Felizmente, na nossa equipa temos uma competição saudável — é das melhores coisas que temos. Nos treinos, damos tudo, quase a matar-nos umas às outras, mas fora do campo somos mesmo amigas, uma família. Tens de mostrar que estás ali, que não tens medo de mostrar o teu valor, nem medo de disputar o lugar com quem já lá está. Tens de ser dura e ir atrás do que queres.
Ao longo da conversa temos falado muito das tuas características — quase sempre do ponto de vista mental. E em termos técnicos? O que é que a Joana Magalhães de hoje tem de diferente da de novembro?
A minha forma de lançar mudou completamente. Estou muito mais confiante. Nunca fui uma lançadora regular — não era algo que fizesse em todos os jogos. Às vezes lançava porque tinha de ser, mas não era a minha cena. Aqui percebi que, sendo uma jogadora pequena, uma base pequena, tinha de evoluir o meu jogo para ser uma ameaça real. Comecei a perceber o que se passava com o meu lançamento — se era falta de confiança ou algum ajuste técnico. Encontrámos o problema e comecei a trabalhar nisso. Agora já lanço com mais regularidade, embora ainda esteja a ganhar confiança, especialmente em situações após bloqueios. É um processo, mas já noto mudanças. A Joana de novembro nunca tinha feito um “pull-up”. Nunca lançava triplos com confiança. Agora, com esse aspeto mais trabalhado, começo a ter mais opções e a ser mais ameaça. É só perceber quando é que devo lançar, quando é que devo atacar em drible… Se fores capaz de fazer várias coisas, és mais perigosa. E é isso que eu quero ser no próximo ano.
Disseste que és uma base pequena. Do ponto de vista físico, notaste muita diferença entre o jogo em Portugal e o jogo nos Estados Unidos?
Muita, mesmo. Percebi que tinha de ser mais dura, ir ao ginásio, trabalhar mais. Os contactos aqui são completamente diferentes — levas “bumps” a sério. Às vezes, nos bloqueios, nem é falta — só não estou habituada àquele tipo de impacto e fico surpreendida. Claro que às vezes até dá jeito, porque é falta atacante. Mas o jogo físico aqui é algo que adoram. Em qualquer equipa vais encontrar, pelo menos, uma jogadora assim.
A partir de dezembro começaste a jogar mais minutos — quase sempre 25 a 30 por jogo — e a ser uma ameaça ofensiva cada vez maior. Em que é que sentiste que mais contribuíste ao longo da época?
Para teres um papel importante, tens de saber qual é o teu papel. Desde o início, o meu papel foi defender. Pressionar, pressionar, pressionar. Com o tempo, comecei a sentir-me mais confortável no jogo e os pontos começaram a aparecer. Mas o meu foco sempre foi criar problemas na defesa. O meu papel era criar dificuldades defensivas — e acho que sou boa nisso. É por isso que o treinador me pôs a jogar. Disse-me: “És ’tough’”. Não tenho medo de quem aparece à frente — dou sempre tudo na defesa.
Ver esta publicação no Instagram
O que é que o teu treinador diz mais sobre ti?
Não diz muito — ele não é daqueles treinadores que fala muito com cada jogadora. Mas sei que gosta de mim porque não tenho medo em campo. Não sei bem como dizer em português… mas é aquela coisa de não me encolher, de não ter medo. Acho que isso é o que ele mais admira em mim, porque ele é igual. Também me disse que sou disciplinada. Que faço o que me pedem, e faço bem. E se fizer bem, ele dá-me liberdade para fazer outras coisas — coisas que não me pediu, mas que posso acrescentar.
Este ano, New Mexico teve uma época interessante. Como foi o final da época e o último jogo? E como é ver o “March Madness” pela televisão?
Quem me dera estar no “March Madness” agora! Acho que tínhamos equipa para ganhar a nossa conferência e chegar lá. Mas o “March Madness” é também o “Smart Madness” — tudo pode acontecer. O que aconteceu foi que equipas abaixo de nós ganharam a conferência. No nosso último jogo, estivemos muito bem na primeira parte, mas duas das nossas principais marcadoras estavam de fora. Eles defenderam muito bem, seguiram o plano de jogo. Na primeira parte marquei 10 pontos, e depois começaram a fazer “double team” a partir da segunda parte. Tornou-se mais difícil encontrar opções para marcar. Foi um jogo de aprendizagem.
Toda esta primeira época foi uma aprendizagem. Qual foi a principal lição?
Não ter medo de mostrar do que sou capaz. E perceber que não há limites.
E como vai ser a Joana Magalhães no segundo ano em New Mexico?
Tenho um bom “feeling”. Já sei o que os meus treinadores querem de mim, e estou “locked in”. Vamos ter uma equipa com capacidade para ganhar a conferência e chegar ao “March Madness”. Estou muito, muito ansiosa. Pelo menos metade da equipa vai continuar. Tivemos três seniores que já acabaram o percurso universitário, duas estão no “transfer portal” e acho que mais duas podem ir. Mas sim, vamos ter uma base forte.
És uma de muitos portugueses e portuguesas nos Estados Unidos. Quem são as pessoas mais próximas com quem costumas trocar mensagens?
Tenho três: a Rita (Nazário), a Marta (Vieira) e a Ema (Karim). Conhecemo-nos há anos. Às vezes é só uma chamada: “Está a acontecer isto, não sei o que fazer…”. Ajudamo-nos sempre. Se uma não está a jogar, puxamos por ela: “Não te preocupes com este jogo, pensa no próximo. Dá tudo nos treinos”. Aconteceu comigo — pedi conselhos e elas ajudaram-me. Conhecemo-nos bem, sabemos o que cada uma está a passar. É bom saber que estão ali para mim. “O trabalho recompensa” era o nosso lema.
Elas têm um ponto em comum: a seleção nacional. Tu já estiveste em estágios, mas nunca jogaste um Europeu. Imagino que isso seja um objetivo.
Sim, sem dúvida. Jogar na seleção, com pessoas com quem cresci nos Lombos ou na seleção de Lisboa, seria muito especial. Gostava muito de viver isso.
O que é que te dizem da experiência de jogar pela seleção?
Falam de representar o nosso país. De fazer tudo para deixar Portugal bem representado. É isso que elas dizem. E é isso que eu quero fazer.
Acompanha tudo sobre Basquetebol em Portugal através das nossas redes sociais: Facebook, Instagram, X e TikTok.