Magda Freire: “Desde pequena que sonho muito alto”

Ricardo Brito Reis esteve à conversa com a internacional portuguesa

Atletas
19 JAN 2025

Com apenas 18 anos, Magda Freire atravessou um oceano de desafios para cumprir o sonho de jogar basquetebol universitário nos Estados Unidos, representando a Queens University of North Carolina. Entre a adaptação ao inglês técnico do curso de Medicina e a intensidade física do basquetebol universitário norte-americano, a jovem portuguesa, que já é titular na sua época de estreia, não esconde o orgulho em ser uma das caras da nova geração da NCAA. “A intensidade e a defesa são as minhas maiores armas dentro de campo”, diz Magda, que já sonha alto: o Mundial Sub19 deste ano e, quem sabe, um dia, a WNBA.

 

Estiveste muitos anos na Quinta dos Lombos, na tua formação. Num espaço de dois anos, passas pelo Benfica e agora estás na NCAA. Estes últimos dois anos foram assim meio loucos, não foram?

Completamente. Foi uma loucura. Porque, primeiro, nunca pensei que saísse da minha casa, que era o que eu chamava aos Lombos. Estive lá seis anos e, para mim, custou muito fazer essa transição para o Benfica. E eu sabia, desde o início, que no Benfica ia ser um ano muito difícil de adaptação. Sabia que tinha de me preparar para o Eugénio (Rodrigues) e para um novo contexto de basquetebol. Passar de Sub18 para jogar em séniores, na Liga. E depois, passar do Benfica para um contexto ainda mais diferente, na NCAA. Ou seja, em três anos passei por experiências completamente diferentes, com pessoas completamente diferentes, e treinadores completamente diferentes.

Magda Freire a atuar pelo CRC Quinta dos Lombos

Agora que já passaram alguns meses, como foi a tua adaptação aos Estados Unidos e quais foram os principais desafios? É verdade que tens aí uma grande ajuda, a Ana Barreto.

Quando eu cheguei, claramente já vinha com o pensamento de que ia ser uma adaptação difícil. Primeiro, porque não é a minha primeira língua. Apesar de eu falar bem Inglês e conseguir desenrascar-me, sabia que ia ser difícil nesse aspeto. Adaptar-me às aulas aqui, porque é tudo em inglês, é difícil. E claro, ao tipo de basquetebol. É um basquetebol que é mais físico. Se és alta, tens de saltar muito para ir aos ressaltos. Não é tão técnico, digamos. Eu sinto muito isso.

 

Sentes o quê? Sentes dificuldade do ponto de vista físico? Há muito contacto?

Sim, eu noto muito isso. Quando cheguei aqui, senti muito essa diferença das minhas colegas para mim. Eu era mais fraca, senti que elas tinham muito mais poder físico. Aqui elas treinam muito no ginásio, estão sempre no ginásio, e eu sinto que nós, em Portugal e na Europa, não treinamos tanto essa parte.

 

Pois, é um estilo diferente. E por isso este primeiro ano seria, à partida, um ano de adaptação. Muitas jogadoras, colegas tuas de seleção, foram para a NCAA este ano e nem sequer estão a jogar minutos. E tu, de repente, estás a jogar e és titular. Qual é que tem sido a importância, por exemplo, da Ana Barreto para esta tua adaptação, quer à equipa, quer ao ambiente universitário?

Ela já está aqui há três anos — é o terceiro ano dela nos Estados Unidos —, e passou-me a sensação de que não ia ser um processo fácil no início. E não foi. Adaptar-me a isto tudo foi difícil. Mas ela ajudou-me a perceber que as coisas não vão ser perfeitas e que eu tenho de aceitar. Não são as pessoas que têm de se adaptar a mim; sou eu que tenho de me adaptar ao ambiente. Tenho de mudar a minha forma de pensar, de jogar, porque eles não vão adaptar-se ao meu tipo de jogo.

 

De vez em quando falar um bocadinho português com ela também deve saber bem.

É verdade. Nós tentamos ao máximo não falar durante os treinos, porque seria má educação. Mas sim, muitas vezes desabafamos uma com a outra em português. Além disso, temos colegas que falam espanhol e que até nos entendem mais ou menos. Às vezes desabafamos todos juntos.

 

Mas nos jogos vale tudo, não é? “Corta aí nas costas, Ana!”

Ninguém percebe (risos). Às vezes falamos e resulta mesmo.

 

 

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Tu já és titular nesta época de estreia. Isso é um grande feito, tendo em conta que é difícil a mudança para um basquetebol diferente. Entrares como freshman no cinco inicial da equipa é uma conquista da tua parte?

Sinto que realmente é uma conquista da minha parte, mas também sinto que a treinadora mostrou que confiava em mim, apesar de ser freshman. Porque, realmente, os freshmen aqui não jogam assim tanto, e ela mostrou-me que, apesar de eu ter capacidade física para defender e para correr, estava a dar-me uma oportunidade. Eu mostrei que consigo e agradeço-lhe todos os dias por essa oportunidade.

 

E estavas mais habituada a outro tipo de jogo, a ter a bola na mão, um basket mais pausado, mais pensado, do ponto de vista tático até mais evoluído. Essa adaptação é difícil, mas se tu consegues ser titular e jogar tantos minutos, quais foram as coisas do teu jogo que te permitem ter um espaço na equipa?

Primeiro, acho que tem a ver com a minha intensidade. A minha treinadora já falou muitas vezes comigo sobre isso: que eu dou intensidade ao jogo. E eu, depois de rever os jogos, consigo notar que dou intensidade, principalmente na parte defensiva. Em termos de ataque, aqui, normalmente, sou a que pausa mais o jogo, o que até parece um bocado contraditório. Mas realmente eu e a Ana somos aquelas que temos mais capacidade para parar o jogo e organizar, por vários motivos. As americanas aqui são mais de contra-ataque, muito ativas, muito físicas, mas nem sempre muito técnicas. Portanto, a minha intensidade na defesa, e a capacidade de acalmar o jogo no ataque são as coisas que me destacam.

 

Essa capacidade de conseguirem abrandar e ler o jogo nesses momentos é essencial. Achas que estão melhor equipadas para jogar nesses momentos decisivos de jogos apertados?

Completamente. Eu sinto que o jogo que tinha em Portugal ajudou-me a perceber que nos momentos mais decisivos é preciso mais calma, mais concentração. Por todos os treinadores por onde passei, aprendi que, nos momentos mais decisivos, temos de pensar: “OK, faltam 20 segundos, vamos pegar na bola e não fazer nada precipitado.” Aqui, elas ainda não têm muito esse processo de pensamento. Pegam na bola e querem marcar logo. Mas, nesses momentos, nós sabemos parar, processar o que está a acontecer e decidir melhor.

 

Estavas a dizer que a tua intensidade e a defesa são duas áreas que te ajudam a conquistar espaço na equipa. Tu gostas genuinamente de defender, não gostas?

Gosto mesmo. Quando estou a defender, sinto que quero roubar aquela bola. Não descanso enquanto não fizer alguma coisa, nem que seja só incomodar a jogadora que tenho à frente.

 

Sentes que, mesmo na defesa, estás a atacar a jogadora que tens à tua frente?

Sim, sinto que estou a atacá-la. E muitas vezes sinto que elas se sentem atacadas. Quando isso acontece, sinto que cumpri o meu dever.

 

Magda Freire (à esquerda) esteve no último Europeu de Sub18 Femininos

 

Para ti, o que é que te dá mais gozo: marcar um triplo ou forçar a equipa adversária a cometer uma violação dos 24 segundos, roubar uma bola, ou obrigar a jogadora que estás a defender a não conseguir fazer nada?

Normalmente é isso que me dá mais gozo. Nos últimos jogos, a minha treinadora tem-me dado a tarefa de defender as jogadoras mais influentes das outras equipas. Normalmente é uma base com mais skills. Aqui, as bases são muito rápidas. Apesar de não terem tanto QI basquetebolístico como as europeias, são muito físicas e conseguem fazer coisas que nós, na Europa, não conseguimos. E, sim, o meu foco é sempre tentar cumprir essas tarefas defensivas.

 

Não é muito comum, nestas idades, ver gente que gosta de defender assim de uma forma tão apaixonada como tu gostas.

Sim, eu sinto que nas minhas equipas, em Portugal principalmente, eu sempre fui uma marca na defesa. E isso ajuda-me a pensar: “Eu tenho uma tarefa para a equipa e sou importante nisto”. Se me pedem para defender uma jogadora, eu vou tentar que ela não marque. É uma tarefa para cumprir.

 

E hoje em dia cada vez mais se fala de números, vivemos numa cultura de números, de valorizar quem faz, quem mete as estatísticas na boxscore. E o teu objetivo, por norma, é tirar as estatísticas da boxscore. Isso às vezes não é tão relevado pelos media ou pelo adepto casual, mas os treinadores veem isso. Deve dar-te muito gozo receber esse feedback dos treinadores.

Recebo, recebo, o que é muito bom. Porque eu sinto que nunca tive grandes estatísticas em termos de pontos, por exemplo. Porque muitas coisas que eu faço durante o jogo não aparecem na estatística. Eu fico muito feliz e muito grata porque sinto que os meus treinadores veem isso. Portanto, sinto que o meu dever está cumprido.

 

Não sei se a perceção que tens, quando foste para os Estados Unidos, era que foste para um sítio gigantesco. Mas, pelo meio, já defrontaste com as universidades da Leonor Paisana, da Clara Silva, da Andrea Chiquemba. Como é que é encontrar portuguesas nessa imensidão que são os Estados Unidos?

É incrível porque cada vez mais vemos portuguesas a vir para os Estados Unidos. Acho que isto é um sonho de qualquer rapariga que está em Portugal a jogar basquetebol. E quando vejo a Clara Silva, que é minha colega de equipa na seleção, penso: “Já viste? Já estamos há tantos anos juntas a jogar e agora estamos aqui, num mundo maior, onde somos tão pequeninas”.

 

Vocês mantêm algum contacto fora do campo? Há algum grupo de WhatsApp chamado “Tugas na NCAA”?

Temos um que se chama “USA”, que é da seleção. Temos a (Maria) Andorinho, a Ema (Karim), a Clara (Silva), a Rita Nazário, a Marta Vieira, toda a gente.

 

Muita gente que está no primeiro ano, mas provavelmente também haverá nesse grupo malta com mais tempo, como a Ana Barreto, eventualmente, e outras jogadoras.

E a Andrea Chiquemba também.

 

Para quem está no primeiro ano e está a passar por essas dificuldades de adaptação, esse grupo de WhatsApp acaba por vos confortar naquelas alturas em que não estão a jogar durante dois ou três jogos?

Sim, não é fácil. E eu estou a passar por uma realidade diferente, muito boa e sei que não é normal. Portanto, estou grata por isso. Mas, quando falo com as minhas colegas, claro que percebo o outro lado da moeda, que não é fácil. E às vezes até estamos a falar em videochamadas e dizemos que queremos só voltar à nossa equipa da seleção, que é a nossa bolha. Porque isto não passa só por adaptação de jogar ou não jogar. É a equipa nova, um treinador novo. Estamos habituadas à nossa zona de conforto, que é o Agostinho (Pinto), os nossos treinadores de casa. Falamos disso, da adaptação à equipa, ao tipo de jogadoras, aos treinadores, ao tempo que jogam ou não jogam. E nós, às vezes, somos um conforto umas para as outras. É uma casa.

 

A equipa que ficou em quinto lugar no Europeu

 

Além do basquete, como é que tens lidado com a cultura americana e as saudades de casa.

Claro, as saudades de casa existem, mas também sinto que estou a viver o meu sonho e que tenho que abrir as asas e voar, como diz o meu pai. Mas claro que sinto falta dos meus pais, do meu irmão, dos meus amigos mais próximos. Em termos da cultura americana, é completamente diferente daquilo a que estou habituada, mas receberam-me muito bem, tenho de ser tão grata por isso. São pessoas impecáveis.

 

Na parte universitária… no início, sentiste alguma dificuldade a adaptar-te por causa das aulas em inglês?

Sim, senti. Senti alguma dificuldade porque é tudo em inglês e estou a estudar medicina. Há muitos nomes técnicos em inglês que eu aprendi em português. Passar para inglês foi difícil, confesso. Mas agora já está melhor. Agora o que tenho dificuldade é em falar português, às vezes.

 

A Universidade de Charlotte tem um bom programa de medicina?

Tem um bom programa em termos de medicina e de business, principalmente. Nós estamos numa universidade privada, e eles valorizam muito a parte académica, eu sinto.

 

Para os teus pais, imagino que deve ser duro estar tão longe de ti, mas saber que a filha está a tirar medicina e está a cumprir o sonho, deve confortar-lhes também o coração, não?

Claro. Os meus pais, vou ser sincera, não percebem nada de basquete. Zero. Mas adoram ver-me jogar, mesmo não percebendo. Eles só querem seja feliz. Como eles me veem ser feliz a jogar, apoiam. Principalmente porque foi a partir do basquete que consegui viver este sonho. Acho que eles ficam super orgulhosos e querem que eu continue. E se for para jogar basquete no futuro, é para jogar. Se não for, eles apoiam-me na mesma.

 

Se não for, tens sempre a medicina, que é um excelente plano B.

Pois, se conseguir fazer o plano A — jogar basquete e medicina —, ainda melhor.

 

@fpbasquetebol Fã de esparguete à bolonhesa e nós também, hoje a atleta apresentada é a Magda Silva 🍝 Já conheciam a nossa camisola número 1️⃣2️⃣ da Seleção Nacional de sub18 Femininos? #SomosBasquetebol #GigantesDePortugal #U18EuroBasket #fpb #fyp #foryou #sports #basketballtiktok #TikTokDesporto #fypシ゚viral ♬ som original – FPB


Lembras-te de quando começaste a falar dessa ideia de ir para os Estados Unidos?

Foi quando tive a treinadora Ana Moreira, a Nani. Porque ela deu-me uma visão do basquete um bocadinho diferente da que eu tinha quando comecei, naquele primeiro ano, em que nem sabia driblar e só estava lá mesmo para perder peso. Tenho que ser sincera.

 

Com quantos anos começaste a jogar?

Comecei em Sub10, com 10 anos. Tive um ano com o pai da Ana Barreto, o que também é engraçado, porque hoje em dia até falamos sobre isso. Depois passei do Nuno Barreto para a Ana Moreira, a Nani, e, a partir daí, ela deu-me uma visão completamente diferente. Comecei a levar o basquete mais a sério. Depois começo a ver as minhas referências. Na altura era a Ana Barreto, a Inês Viana, a (Marta) Roseiro também. E, claro, a Ticha Penicheiro. E pensei: “Quem me dera, um dia, conseguir viajar, ir para os Estados Unidos e jogar basquete, que é o que eu gosto”. Por isso, foi a partir dos 12 anos que comecei a pensar nisso.

 

E tiveste a sorte de ter excelentes treinadores. Houve algum momento que tenha marcado particularmente durante os anos nos Lombos?

A primeira vez que fui campeã nacional. Porque nesse ano nós não fomos campeãs distritais. Foi a primeira vez que não tinha sido campeã distrital, porque fui no ano anterior. Nesse ano, a Elisabete disse que ia ser campeã nacional connosco. Dito e feito. E realmente percebi que, a partir daí, o basquete ia ser uma coisa muito boa para mim, que ia conseguir evoluir muito. A partir daí, pensei: “Agora vamos trabalhar para ir à seleção e para seguir o meu sonho”.

 

Foste definindo os objetivos pelo caminho.

Sim, desde essa altura faço uma lista na minha agenda de coisas que quero cumprir no basquetebol. Ser campeã distrital, ser campeã nacional, ir à seleção, conseguir um título na seleção… coisas assim.

 

Quais são os próximos tópicos dessa lista? Podes revelar?

Claro que posso. Há pouco tempo conseguimos o apuramento para o Mundial de Sub19, que é um feito extraordinário. Desde que estou aqui, penso nisso todos os dias e penso que quero trabalhar para isso, porque sei que é um nível completamente diferente e muito exigente. Mas sei que vamos ter capacidade para batalhar. Estou mesmo ansiosa para chegar a Portugal e trabalhar para o Mundial. Tenho isso na minha lista: fazermos um bom Mundial. E depois, voltar para cá e evoluir mais. E, se conseguir seguir o basquete profissionalmente, é o que quero mesmo, porque eu adoro basquete.

 

Depois dos Lombos, passaste pelo Benfica. Um ano com a idade de Sub18, a treinar com séniores, a partilhar o balneário e o campo com jogadoras muito experientes, algumas referências tuas, em ambientes tão competitivos como a Liga Betclic e a Eurocup Women. Que coisas tiraste desse ano que foram positivas para o presente agora aí na NCAA?

Primeiro, treinar com as minhas referências no basquete, que eram a Raphaella Monteiro, a Inês Viana… Jogadoras que eu sempre vi como muito boas, e, de repente, eu estava lá a treinar com elas. Depois, esse ano no Benfica ajudou-me muito a ganhar mais confiança. Podia ter sido um ano em que podia sentir que era uma jogadora que não tinha tanta importância. Porque, claramente, havia jogadoras que já eram uma referência há muitos anos no basquete. Podia ter perdido a minha confiança, mas só fiquei mais confiante por ver que estava num nível muito bom e que isso só me ia ajudar a evoluir. E, mesmo não jogando muito, eu ficava tão grata só por estar naquele treino, a aprender com o Eugénio, que é um treinador muito bom, e ao lado de jogadoras que são um exemplo para mim. Estava grata e pensava: “Só posso estar confiante por estar aqui, por me darem esta oportunidade. Quer dizer que eu tenho valor para estar aqui”.

 

O que é que eram, para ti, as pequenas conquistas no Benfica, nos treinos? Estás a defender uma jogadora experiente, e ela está a meter-te num bloqueio, e tu consegues navegar o bloqueio, consegues uma boa posse de bola defensiva… Isso dava-te motivação?

Sim, às vezes até no treino, a Inês Viana — no início da época, antes dela se lesionar — até chegava a fazer piadas: “Estás com muita energia para mim, não consigo.” E o meu objetivo no treino nem sequer era marcar. Era roubar-lhe a bola, ou tentar ganhar um ressalto às maiores, como a Isabela Quevedo. Eu tinha sempre um objetivo quando ia para o treino: um dia era roubar a bola a uma, no outro dia era tentar fazer uma finta e ir para o cesto. Na minha mente pensava: “Nada é mau aqui. Vamos tentar fazer sempre uma coisa boa”. Era assim que ia conquistando a minha confiança. Pequenas conquistas.

 

E essas “queixas” da Inês Viana, quando estavas a criar-lhe problemas nos treinos, eram verdadeiramente queixas ou era a forma de ela, como veterana, perceber que também precisavas de inputs positivos?

Sim, eu acho que sim. Eu acho que ela percebeu que eu era… novinha, era a minha primeira vez numa equipa da Liga, e percebeu que eu precisava de um incentivo e de apoio para não me deixar ir abaixo se não jogasse. Porque, ela também já passou pelo que eu passei, já passou por esta experiência de ser mais nova, e, portanto, acho que nada melhor do que uma jogadora como ela me dar esse incentivo para melhorar e para não baixar a cabeça mesmo que as coisas não corriam como eu queria.

 

Campeã da Liga Betclic Feminina pelo SL Benfica

 

Falaste já do Europeu de Sub18 do ano passado e do quinto lugar que conseguiram em Matosinhos. Qual é que foi o segredo dessa campanha?

Eu acho que há uma coisa que nos define enquanto equipa. Como o meu treinador aqui nos Estados Unidos diz, nós temos um “swag” na equipa. Além da união que temos, porque realmente acho que se nota dentro e fora do campo. Quem vê os jogos percebe o quão unidas somos, mesmo quem joga 40 minutos e quem joga 10 minutos. Tem a ver com o facto de estarmos juntas há muito tempo. Já jogámos juntas em seleções desde Sub14, quando éramos pequeninas.

 

Não há egos, é isso? Isso nota-se na linguagem corporal, por exemplo, quem está no banco. Podem não jogar muito, mas são as primeira a levantar-se para apoiar.

Sim. E isso faz com que não haja qualquer discussão dentro da equipa. É como se estivéssemos numa bolha. E mesmo que às vezes haja desentendimentos, é mesmo para nos ajudarmos a crescer umas às outras. O segredo foi mesmo a união e a nossa garra. Nenhuma equipa naquele Europeu tinha a mesma garra e união que a nossa. E claro que o treinador não fica de fora, porque eu acho que o Agostinho também nos ajudou imenso. Por mais que seja de uma forma agressiva, de uma forma mais intensa, nós conseguimos filtrar tudo e conseguimos ouvi-lo, o que ele quer. Ele sabe realmente o que faz e sabe o que diz.

 

E para ti, qual foi o momento mais emocionante desse Europeu?

O momento que mais me tocou foi o jogo contra Israel. Tive imensa pena por não termos conseguido ir às medalhas. Treinámos tanto para aquilo, e depois, individualmente, senti que podia ter roubado aquela bola e depois não marquei aquele cesto que podia ter marcado. Mas depois acho que isso me deu mais força para o jogo seguinte, contra a Hungria, e consegui uma melhor performance. Portanto, fiquei orgulhosa de mim mesma.

 

É fácil, para ti, fazer esse processamento depois de uma derrota ou de um jogo que te possa sair menos bem?

Não é nada fácil para mim. Acho que não é fácil para nenhum jogador que gosta mesmo de basquete. Eu sou masoquista, sou muito perfeccionista. Não é só no basquete, também sou fora dele, o que não é sempre bom. Mas, no basquete, acaba por ser uma coisa boa porque, depois dos erros que faço, vejo o jogo outra vez. Revejo o que fiz de mal para tentar melhorar no jogo seguinte.

 

E nos jogos bons? Consegues saborear ou também vais ver o que podias ter feito melhor?

Sou picuinhas. Mas sinto uma alegria imensa por ver que o desporto que eu gosto de praticar, aquilo que eu amo mesmo de morte, está a sair bem. E estou a fazê-lo com pessoas de quem gosto. Isso também me deixa feliz. Portanto, acho que a melhor coisa para um ser humano é saber que está a ser bem-sucedido naquilo que gosta de fazer.

 

 

Disseste há pouco que não tens por hábito ligar muito aos números, ou pelo menos não és de ter grandes estatísticas. O teu impacto no jogo é, se calhar, em coisas que são intangíveis, coisas que não se medem, que não aparecem na estatística. Mas, quando acaba um jogo, espreitas ou não espreitas a estatística?

Sim, eu espreito sempre a estatística, todos os jogos, mesmo que não ligue tanto aos números. O que costumo ver primeiro são os turnovers. Depois vou ver os ressaltos, que acho importante, e os roubos de bola, principalmente. Mas os turnovers vejo sempre, porque sinto que tenho evoluído imenso. Antes fazia imensos turnovers, e agora estou a fazer cada vez menos. É uma coisa que tenho melhorado e gosto de ver essa evolução. Às vezes até aponto no meu caderno a evolução que tenho tido.

 

E o que é que esse caderno tem escrito desde que foste para os Estados Unidos?

Aqui eles pensam mais nos números do que propriamente no impacto geral do jogo. Eles analisam bem o jogo também, mas ficam muito focados na parte dos números, dos pontos. E eu agora tenho como objetivo marcar aquele pontinho que antes não procurava tanto. Fazer coisas que não estão tanto na minha zona de conforto, mas que tenho de fazer para evoluir e para dar aquele “next step”.

 

E há alguma área específica do teu jogo que gostarias de trabalhar ou que estejas a trabalhar atualmente, do ponto de vista individual?

Sim, a parte do lançamento triplo. Nunca procurei muito o triplo, mas ultimamente tenho marcado mais, porque também tenho trabalhado mais. Então, estou a procurar mais essa parte ofensiva: de atacar mais o cesto, ser mais agressiva.

 

É o primeiro ano em que estás aí, portanto é um ano de adaptação. Talvez não haja ainda grande capacidade para olhar para o médio ou longo prazo. Mas tu tens objetivos para ti, que gostarias de atingir no final desta primeira temporada?

Gostava de aumentar os meus números. Eu não olho muito para a estatística, vou ser sincera, mas sei o quão importante isso é aqui nos Estados Unidos, para esta cultura. Gostava de conseguir converter mais pontos por jogo. Nunca foi uma coisa que procurei antes, mas mudar um bocadinho o rumo do meu jogo também vai ajudar à minha evolução. Não ser só uma jogadora de defesa. Porque acho que, se eu conseguir ter essas duas coisas num nível bom, posso ser uma jogadora ainda melhor, num nível muito mais alto no basquete. Portanto, no final desta temporada, procuro aumentar os meus números e tentar evoluir o máximo possível.

 

A NCAA dá-te oportunidade de ficar aí quatro anos. Mas disseste que queres viver do basquete profissionalmente. E, sendo tão assertiva como és, imagino que já tenhas várias possibilidades na tua cabeça.

Desde pequena que sonho muito alto, muito alto. Nunca penso que algo é impossível. Desde pequena, quero ser médica, por exemplo. Acho que sonhar tão alto ajuda-me a definir os meus objetivos. Depois destes quatro anos, que tenciono fazer aqui nos Estados Unidos, gostava de conseguir ir para a WNBA, para algo maior. Mas sei que isso é uma realidade muito sonhadora. Se não for possível, gostava de jogar na Europa, talvez em Espanha, onde temos tantas portuguesas agora. Ou na Bélgica, onde o nível é muito bom. Gostava de ter essa experiência.

 

Tenho uma última pergunta: na mala de viagem que levaste para os Estados Unidos, levaste algum objeto especial para te lembrar de Portugal? Alguma coisa especial que esteja na tua mesa de cabeceira, que tenhas levado especificamente para te lembrar de alguma coisa do lado de cá do grande lago?

Eu trouxe um cachecol de Portugal, da minha equipa na seleção. Eu trouxe este cachecol, que tem as caras todas das minhas colegas de equipa, e diz “Portugal”. Eu olho sempre para o cachecol na parede e penso: “Se as coisas não correrem como eu quero, tenho um objetivo quando chegar a Portugal, que é ir ao Mundial e partirmos aquilo tudo”.

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19 JAN 2025

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