“A sociedade alemã respeita esta modalidade Paralímpica”

Emigrado no Luxemburgo, Paulo Soeiro aborda a sua carreira e a experiência no BCR germânico

Paulo Soeiro
Atletas | Competições
17 FEV 2021

No final de 2011, ano sem provas no basquetebol em cadeira de rodas nacional (BCR), a crise económica levou Paulo Soeiro a fazer as malas para se fixar no Luxemburgo, onde, afirma, era “fácil sentir-se em casa”, dado o extenso contingente de cidadãos lusos. Encantado com as condições encontradas, em particular pela existência e facilidade logística dos apoios para as pessoas com deficiência, desde a cadeira de rodas de rodas quotidiana à adaptação de carro ou da casa, o antigo jogador do GDD Alcoitão não abdicou da possibilidade de continuar a jogar BCR.

Nos Lux Rollers, formação luxemburguesa inserida nas provas alemãs, Paulo Soeiro começou por integrar a equipa B, ensaio coroado com o convite para acumular o cargo de treinador. A rápida evolução e recuperação da forma física motivaram a promoção à equipa principal, ao serviço da qual disputou a Bundesliga 2, segundo escalão germânico – profissional -, desempenho novamente louvado, de tal forma que surgiu a proposta para atuar nos Dolphins Trier, da Bundesliga 1, uma das ligas mais competitivas do mundo.

Parado devido à pandemia, o campeão da Europa da divisão C em 2007, peça importante no “xadrez” do então selecionador Jose Maria Cristo, aborda a carreira de quase duas décadas e afiança a vontade de prosseguir na próxima época. “Preciso disto!”, afirma Soeiro.

Como é que surgiu a tua ligação ao BCR?

Tive o meu acidente em dezembro de 2001 e comecei a jogar na época 2002/03, no GDD Alcoitão. Antes do acidente, sempre fiz parte de equipas de desporto, portanto foi muito fácil procurar alguma coisa que me mantivesse ativo. Na altura em que estive internado, era uma coisa que procurava saber, porque os médicos só me diziam o que eu não podia fazer e eu também queria saber o que podia fazer. Os médicos ficaram um bocado ofendidos, se calhar fui um bocado arrogante, mas já estava cansado de ouvir sempre a mesma lavagem ao cérebro. Nunca me deram resposta. Felizmente, moro muito perto da escola onde eles [GDD Alcoitão] treinavam. Isto é um bicho que facilmente nos vicia. Bastou ver, sentar, jogar um pouco e automaticamente fiquei viciado nisto até hoje.

Que jogos recordas em particular?

Gostava de fazer um parêntesis. Nós não éramos uma equipa de topo, andávamos ali sempre pelos lugares cimeiros, mas não o suficiente para lutar pelo título. De maneira que o nosso grande rival era a APD Lisboa. Lembro-me de dois jogos com eles, em que, no primeiro, praticamente no final, faço uma falta ao Luís Oliveira, ele vai para a linha de lance livre, marca os dois e perdemos por um ponto. Nessa mesma época, no jogo em Lisboa, no último segundo, em contra-ataque, fui eu que marquei e ganhámos por um ponto.

Tiveste um trajeto marcante na Seleção. Quando surgiu a primeira convocatória e que momentos destacas?

Creio que foi em 2005 quando o selecionador nacional, Jose Maria Cristo, foi ver um jogo. Ele tinha uma ideia muito simples, pois, na altura, não tínhamos muitos jogadores de nível europeu. Tínhamos três que marcavam a diferença para todos os outros: o Hugo Lourenço, o Pedro Gonçalves – referências para todos – e, muito jovem, o Cláudio [Batista]. Os três juntos somavam 12 pontos, faltavam 2. A ideia dele era muito simples – “preciso de arranjar vários jogadores de 1.0”. Eu sou 1.0 e muito por isto abriu-se a porta para eu ser chamado tão cedo, após estar a jogar apenas há duas épocas. Além do Europeu C de 2007, que vencemos e nos permitiu subir de divisão, também tenho que fazer referência ao Europeu B de 2008, um nível diferente, mais exigente. Fizemos um Europeu muito bom. Lembro-me do jogo contra a Bélgica, vencedora da prova e promovida à divisão A, em que perdemos por 2 ou 4 pontos. Não houve nenhum jogo em que tivesse ficado presente em campo no qual tenha sentido que a outra equipa era melhor do que nós.

De uma forma inesperada, chegas a um campeonato estrangeiro. Quais as primeiras grandes diferenças que constataste?

Se a [primeira] liga alemã não é a mais forte do mundo, anda lá perto. A quantidade de jogadores, equipas, a maneira como promovem o BCR… é fantástico. Basta ver que nas últimas Champions, as equipas alemãs, se não ganham, chegam sempre à final. Todas as equipas profissionais na Alemanha têm equipas B e C. Apesar de serem equipas B e C, puxam por aqueles miúdos e dão-lhes todas as condições para chegarem à equipa A e serem atletas de elite mundial. Vindo de uma época em que não havia nada, de repente deparei-me com esta realidade; tudo tão bem promovido, organizado, uma coisa incrível. Os alemães são muito humildes e valorizam qualquer trabalho, profissão, respeitam muito o próximo. E em termos de desporto a mesma coisa. A sociedade alemã respeita esta modalidade Paralímpica. Depois, trabalham com espírito de cooperação. Fazem conferências conjuntas, partilham jogadores, ideias. Temos uma equipa muito forte aqui perto do Luxemburgo, os Dolphins Trier, com quem por vezes treinamos e fazemos workshops. Quando querem pôr a rodar jogadores da equipa B, mandam-nos para a nossa equipa. Há esta troca de informação, partilha, que é obviamente uma mais-valia. Procuram não ter excesso em nada. Se houver uma equipa que tem carência de jogadores ou patrocínios, a própria equipa vizinha procura dar apoio nesse sentido.

Quando chegaste ao Luxemburgo, sentiste um impacto na aprendizagem do jogo? A qualidade do treino é superior?

Temos um velho ditado que diz  “quem não sabe, inventa”. O alemão não sabe o que é isso. Estudam, planeiam, trabalham imenso. Têm muita cultura de jogo, um dicionário de jogadas, táticas, movimentos com a cadeira. Para eles tudo tem de ser pensado do início ao fim.

Encaras a possibilidade de vir a ser treinador?

Quando cheguei, havia a barreira linguística. E aprender uma língua como o alemão é difícil. Vinha em baixo de forma, sem competição e puseram-me na equipa B, que jogava na 4.ª divisão da Alemanha (de um total de 7). Correu muito bem, cheguei a ser o melhor marcador de jogadores de um ponto, gostaram muito de mim e convidaram-me a ser treinador-jogador da equipa B durante duas épocas. Gostei muito, porque, apesar de faltar muita coisa na equipa, procurava ter sempre um objetivo. Disse “nós temos de ser os melhores em algo” e conseguimos ser a melhor defesa do campeonato. Passados três anos, fui para a equipa A e, na última época, tive um convite para me juntar aos Dolphins Trier. Acabei por recusar, pois cheguei a uma fase da minha vida em que as prioridades são outras. Quero jogar sim, mas não podia andar naquele ritmo intenso que as equipas profissionais na Alemanha têm.

 

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