Victor Sousa: um percurso de devoção ao BCR

De atleta a dirigente, contam-se quase 40 anos de dedicação à modalidade

Competições
17 FEV 2023

Victor Sousa viveu e teve influência perentória nos maiores êxitos do Basquetebol em cadeira de rodas português. O vasto currículo do ex-jogador e dirigente obriga a uma retrospetiva mais avulsa, sem obedecer a um trilho estritamente cronológico, uma vez que o seu trajeto se cruza com vários momentos marcantes na história da modalidade, cujo arranque em Portugal se situa na década de 60.

A começar pelo feito que fez a Europa olhar o BCR nacional com outros olhos, corria o ano de 2007, quando a seleção conquistou o único troféu do seu palmarés, o Campeonato da Europa C, em Dublin. “Na altura, os condimentos foram: bons jogadores, cadeiras novas e um treinador com convicções fortes”, rememora, em alusão à “fornada” de cadeiras Lince, marca mexicana, com que à data ajudou a munir os atletas, e o ímpeto de José Maria Cristo, técnico espanhol, então ao leme da equipa das quinas.

Há, porém, um antes rico e multifacetado no envolvimento nas estruturas que deram forma ao desporto Paralímpico e BCR no país. Aos 29 anos, depois de um passado pejado de atividade desportiva, entre Atletismo, Futebol e Futsal, Victor Sousa foi vítima de um atropelamento, que resultou numa lesão medular. A retoma das lides no mundo do desporto aconteceria mais tarde. “Tudo começou com a constituição da equipa APD Sintra, em resposta a um desafio lançado por um vereador da Câmara Municipal de Sintra, em 1986. Participei também em várias reuniões para a criação da Federação Portuguesa de Desporto para Pessoas com Deficiência (FPDD), o meu primeiro contacto com a realidade do desporto Paralímpico”, conta.

A proatividade manifestada andou de mãos dadas com sucessivos desafios no dirigismo, que culminaram no desempenho de múltiplos cargos ao longo do tempo: Presidente da APD Sintra, Secretário da Mesa da Assembleia Geral da Associação Portuguesa de Deficientes (APD), Vice-presidente FPDD, Secretário da FPDD e Tesoureiro da FPDD. Secretário da Direção da Associação Nacional de Desporto para Pessoas com Deficiência Motora – ANDDEMOT -, Presidente da direção da ANDDEMOT, Presidente do Comité Nacional de BCR (CNBCR). Chegaria à direção da FPDD, por indicação dos clubes de BCR, em 1992, na sequência dos torneios organizados pela APD Sintra, designados “Bassintra”.

A participação não se confinou aos bastidores e, apesar da idade tardia para a iniciação – 41 anos -, dedicou-se à prática do BCR. “Não me sentia com motivação para dar início a uma nova modalidade desportiva com aquela idade. No entanto, como se diz “o que tem de ser, tem muita força””, confessa, atraindo-o também o “ambiente de sã convivência e camaradagem entre todos no BCR e no atletismo em cadeira de rodas”. Das incidências dentro de campo, onde assume não ter tido “uma grande valia”, jogando pela necessidade de “quórum”, no tocante à pontuação funcional, para a equipa recém-criada competir, resgata um episódio. “Guardo na memória um jogo da APD Sintra com a APD Lisboa, em Vieira de Leiria. Sintra estava a perder por cerca de 10 pontos, fui para o lance-livre (mal chegava ao cesto), esforcei-me ao máximo, ambos os lançamentos bateram na frente do aro, mas tombaram para dentro do cesto. Senti que a equipa de Sintra ficou galvanizada e acabou por ganhar o jogo e o torneio”, conta.

Motor da APD Sintra, o trabalho diligentemente lavrado fora das quatro linhas, numa era de visibilidade inferior para o desporto Paralímpico, levou a que a equipa se convertesse, a longo prazo, na principal força e na mais laureada do BCR nacional, estatuto que ainda detém, pese embora o menor fulgor dos anos recentes. “A grande diferença, penso, estaria na ideia de participar nas provas europeias, o que promovia a formação dos jovens jogadores da APD Sintra. A formação foi sempre o principal objetivo”, vinca, antes de elencar outros fatores. Entre eles, sobressaem a “aquisição de cadeiras de jogo à RGK com medidas personalizadas, a formação com um treinador jugoslavo e o patrocínio da TV Cabo, durante três anos”.

Em 2012, quatro anos depois de um marco memorável na sua alma mater, o pentacampeonato sintrense, o dever voltou a chamar Victor Sousa a um papel proeminente para enfrentar uma situação espinhosa. Perante um panorama desolador, em que Portugal falhara, por incapacidade financeira, o Europeu C de 2011, e não organizara qualquer prova interna oficial na época 2011/2012, reassumiu funções na ANDDEMOT. “O cenário era de penúria. Foi preciso negociar o pagamento das dívidas acumuladas, designadamente à arbitragem, sem as quais não se realizariam jogos. Foi um ato de muita coragem e de grande paixão pelo BCR. Comigo, na comissão de gestão, assumiram os riscos e os desafios que tínhamos pela frente, o Jorge Almeida e o Paulo Soeiro”, relembra. A missão saldou-se por enorme sucesso, de tal modo que, em 2014, a ANDDEMOT remeteu candidatura à IWBF Europa para a organização do Europeu C de 2015, vindo a juntar-se a FPDD e a FPB ao lote de entidades organizadoras de um evento que também desperta nostalgia. Portugal conseguiria o segundo posto e, pela segunda vez, além de 2007, a promoção à divisão B do BCR continental. “Tínhamos um lote de bons jogadores, uma dupla de técnicos (Jorge Almeida e Rui Lourenço), com grande conhecimento e convicção, a quem só a vitória importava, tendo conseguido passar para os jogadores essa convicção”, narra.

Aos 76 anos, é presidente da Mesa da Assembleia Local da Delegação Local de Sintra da APD e conserva o espírito crítico face ao BCR, do qual brota o desejo claro de ver a modalidade progredir. “Penso que falta formação nos clubes promovida pela FPB, formação de treinadores e sempre achei que deviam existir cursos específicos de BCR, reconhecidos pelo IPDJ. Em 2017, era possível. Penso que ainda o será hoje”, comenta o emblemático dirigente, antes de referenciar as dificuldades financeiras. “Há falta de financiamento aos clubes. Falta a possibilidade de contratação de jogadores estrangeiros de qualidade, que pudessem ser um exemplo a seguir pelos nossos jogadores”, temendo um desenvolvimento aquém do potencial para os melhores intérpretes do jogo a nível nacional. “Existem muitos jovens no nosso BCR, que vão tendo alguma evolução, mas receio que, a algum momento, essa evolução estagne, se acomodem e não evoluam tanto quanto as suas capacidades lhe permitiriam”, confessa.

Questionado sobre o legado que deixa ao BCR, a resposta vem com a simplicidade que se lhe reconhece. “Sinto-me bem, quando estou nos jogos, e todos me cumprimentam de forma afável”.

Nota: fotografia da autoria de Rita Taborda/FPDD.

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